segunda-feira, 8 de junho de 2009

LEMINSKI BASHÔ AQUI!



Paulo Leminski Filho nasceu em Curitiba, no dia 24 de Agosto de 1944. Descedente de imigrantes polacos por parte de pai e de uma brasilidade "típica de Gilberto Freire" por parte de mãe, Leminski sempre se orgulhou muito de sua origem.

Na adolescência, foi seminarista da ordem dos beneditinos, tendo ido estudar no Mosteiro São Bento, em São Paulo, onde iniciou seus estudos em latim e grego. Nos anos 60 estudou judô e acabou se tornando um entusiasta da cultura oriental. Não obstante, aprendeu japonês e fez-se também como o maior discipulo brasileiro da obra de Bashô.

Em 1963, participou da Semana Nacional da Poesia Concreta, em Belo Horizonte. Lá foi o seu "debut" literário e passou a ser sempre bem lembrado pelos mestres do concretismo Haroldo e Augusto de Campos e Décio Pignatari, não pelo físico de judoca, mas pela malandragem com que tecia seus versos, sendo que muitos dos quais passaram a figurar, em 64, na revista INVENÇÃO, a casa dos poetas concretos.

Leminski curtiu ser um "beatnik caboclo", largou a faculdade na metade dos cursos de Direito e Letras. Teve um "casamento" aos 17, aos 18 conheceu a também poetisa Alice Ruiz, com quem foi morar num "squat" junto com sua ex-namorada e o atual namorado dela. Teve com Alice, além de uma grande parceria poética, três filhos: Miguel Ângelo (falecido aos 10 anos, vítima de câncer), Áurea e Estrela.

Com a poetisa Alice Ruiz,
sua eterna companheira



Entre os anos 70 e 80 trablhou árduamente como professor de História e de Redação em cursinhos pré-vestibular. Foi um dos maiores redatores e diretores de criação da propaganda paranaense. Publicou varios livros de poesia, entre os quais destacam-se: "Caprichos e Relaxos", "Distraídos Venceremos" e "La Vie En Close". Escreveu também ensaios biográficos sobre figurinhas carimbadas da história como Jesus Cristo, Cruz e Souza, Edgar Allan Poe, Bashô, Trotski etc. Nos anos 80, foi um dos colaboradores mais solicitados do jornalismo brasileiro, tendo escrito uma infinidade de artigos para a Folha de São Paulo e para a Veja, principalmente.


ERRA UMA VEZ

Nunca cometo o mesmo erro duas vezes
Já cometo duas três quatro cinco seis
Até esse erro aprender que só o erro tem vez.

sossegue coração
ainda não é agora
a confusão prossegue
sonhos afora

calma calma
logo mais a gente goza
perto do osso
a carne é mais gostosa

você está tão longe
que às vezes penso
que nem existo
nem fale em amor
que amor é isto




Escritor de plantão, traduziu (transcriou) para o portugues obras como "Pergunte Ao Pó" de John Fante, "On The Road" de Jack Kerouak, "Mallone Morre" de Samuel Beckett, "Um Atrapalho no Trabalho" de John Lennon, "Satiricon" de Petrônio, Sol e Aço, de Yukio Mishima, O Supermacho, de Alfred Jarry, e Giácomo Joyce, de James Joyce.

Filósofo prático, destrinchou Renée Descartes e o pôs em cheque na obra "O Catatau", de 1975, que fala sobre a vinda de Maurício de Nassau ao Recife, que trazia em sua missão o filósofo Renatus Cartesius, que haveria de confrontar seus valores com a realidade onírica do Brasil seissentista.

Mesmo nunca tendo acabado uma faculdade de letras, Leminski foi escola para muitos professores. Em 1984, seu então novo romance, "Agora É que São Elas", causa reboliço pelos meios acadêmicos e literários, pois o autor usava ninguém menos que a figura de Vladmir Propp, um formalista russo que "estabeleceu" as 31 regras que regem o conto fantástico, em um livro que relata um psiquiatra que se vê no direito de aplicar as mesmas regras literárias de seu homônimo russo no exercício da psiquiatria. (sitaução esta que lembra um pouco a idéia do filme "Dead Man", de jim Jarmush, no qual Johnny Depp vive um representante comercial que é socorrido por um índio letrado, só porque se chama william Blake)

Inventivo, Paulo Leminski usava e abusava da "polissemia" e sacaneava formidavelmente com as regras do bom português:

Meu professor de análise sintática era o tipo do
sujeito inexistente.
Um pleonasmo, o principal predicado da sua vida
regular como um paradigma da 1a conjugação.
Entre uma oração subordinada e um adjunto adverbial,
ele não tinha dúvidas: sempre achava um jeito
assindético de nos torturar com um aposto.
Casou com uma regência.
Foi feliz.
Era possessivo como um pronome.
E ela era bitransitiva.
Tentou ir para os EUA.
Não deu.
Acharam um artigo indefinido em sua bagagem.
A interjeição do bigode declinava partículas expletivas,
conectivos e agentes da passiva, o tempo todo.
Um dia, matei-o com um objeto direto na cabeça.


Quem ousou ou seria capaz de bagunçar o coreto das boas maneiras da língua como ele, no Brasil de hoje? Poucos ... ou talvez ninguém!

Defendeu, em um curso de produção poética por ele ministrado, em meados dos anos 80, na Fundação Armando Alvares Penteado, em São Paulo, a idéia de que a arte, a poesia e a música não passam de meros "inutensílios" no mundo prático, e expõe todas as suas convicções - escancaradamente irônico - sob a forma de dois ensaios que contam que ante à tecnocracia, os sentimentos, as artes, a música e os valores humanos, não servem para nada, pois são mero "inutensílio".


materesmofo
temaserfomo
termosfameo
tremesfooma
metrofasemo
mortemesafo
amorfotemes
emarometesf
eramosfetom
fetomormesa
mesamorfeto
efatormesom
maefortosem
saotemorfem
termosefoma
faseortomem
motormefase
matermofeso
metamorfose

poema "metaformose"


Paulo Leminski entre Caetano Velloso e Moraes Moreira



Além de poeta, ensaísta, tradutor e judoca, Leminski também foi um grande compositor, pois acreditava na música como um excelente veículo propagador de suas idéias, uma vez que, em sua concepção, a poesia era o único instrumento que não sofrera ação do sistema e que poderia ser usada como forte arma para propagação de seus ideais, principalmente através da canção como veículo. Fez parceria com muita gente: Blindagem, Morais Moreira, Paulinho Boca de Cantor, Caetano Veloso, A Cor do Som, Edvaldo Santana, Guilherme Arantes e mais uma carrada de caras que musicaram muitos de seus poemas.

É bom lembrar que, apesar de suas letras serem maravilhasamente fora do comum, e de contarem com intérpretes (quase) à altura, musicadas, sofreram com as "comodidades tecnológicas" da época. É bom que não se espere muita coisa. Afinal, nos anos 80, as técnicas de gravação e as formas de arranjar na música brasileira eram incrivelmente precárias e terrivelmente contaminadas pelas maravilhas modernosas que tiravam o brilho de qualquer grande obra.

Segundo a Professora Leyla Perrone Moisés:
"Leminski ganha a aposta do poema, ora por um golpe de espada, ora por um jogo de cintura. Tão rápido que nos pega de surpresa; quando menos se espera, o poema já está ali. E então o golpe ou a ginga que o produziu parece tão simples que é quase um desaforo."

No dia 7 de junho de 1989, após noites a fio não dormidas, regadas a vinho barato ao pé de sua máquina de escrever, e depois de muitas perambulações pelas mesas do Bife Sujo e também do Lino's (por que não?!), Paulo Leminski, aos 44 anos, morre de cirrose etílica (uma morte irônicamente identica à de Fernando Pessoa), mas deixa, além de uma vasta e diversificada obra, um legado indelével a perdurar para sempre nos anais da língua portuguesa:


moinho de versos
movido a vento
em noites de boemia

vai vir o dia
quando tudo que eu diga
seja poesia

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Max Merege, pesquisador Cuiabano, estudou Letras em Curitiba e tornou-se apreciador compulsivo da obra desse bandido que falava Latin.

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Publicado no Caderno FOLHA 3, do Jornal FOLHA DO ESTADO (Cuiabá/MT , no dia 24/Maio/2009

Um comentário:

Ivan disse...

Max:

fazia tempo que eu não passava por aqui (mea culpa) -

gostei das matérias que li, mas vou comentar nessa pra cumprir meu papel de chato da galáxia:

chamar de "squat" a "comunidade alternativa" do edifício São Bernardo foi uma transluciferação-hippie-to-punk muito engraçada, mas me vejo forçado a retificar alguns pingos nos teus is sobre Leminski:

. ele conheceu pessoalmente a Alice Ruiz no dia 24/08/1968, noite de seu (dele) aniversário de 24 anos (não aos 18 - e é escusado chamá-la de "poeta", não de "poetisa", que segundo a própria tem uma conotação meio infantilizante...).

. Leminski trabalhou, sim, arduamente, como professor em cursinhos pré-vestibular, mas nos anos 60 (64/69 no Abreu) e 70 (71/72 no Bardhal).

. Trabalhou muito, também, como redator publicitário, mas nunca chegou a ter, oficialmente, o cargo de diretor de criação - ele foi principalmente um redator freelancer.

. as biografias que escreveu foram de Cruz e Sousa, Bashô, Jesus Cristo e Trótski (publicadas primeiro separademente, e depois agrupadas no livro "Vida") - sobre Edgar Allan Poe ele escreveu um breve ensaio crítico-biográfico.

. entre as traduções, não consta o "On the Road", de Jack Kerouac (o beat que Leminski traduziu foi o Ferlinghetti, para a antologia "Vida sem fim", da qual participaram mais três tradutores: Nelson Ascher, Paulo Henriques Britto e Marcos Ribeiro).

Quanto ao mais, seu texto está mais que correto, porque transparece de admiração e entusiasmo totalmente merecidos pelo irrefragável polacolocopaca.

Valeu?