domingo, 7 de março de 2010

POR QUE TARANTINO É FODINHA ???!!!



Hoje, como já é sabido, é dia do Oscar, a “maior” premiação da Sétima Arte no mundo. Tudo bem que em grande parte das vezes isso não passa de uma tremenda marmelada cujo objetivo maior é promover os estúdios que melhor pagam a veiculação de seus produtos. Entretanto, muita coisa boa acaba rolando, mesmo que não fature a tão sonhada estatueta, e isso é uma constante.O nosso “homenageado” de hoje, Quentin Tarantino, é um sujeito que há muito já deveria ter figurado por esta coluna, uma vez que tem muito a ver com a maior parte dos sons que aqui citamos, inclusive os brasileiros, e também por ter faturado uma estatueta em 1995 pelo roteiro de “Pulp Fiction”.

Vincent Manero?!


É verdade, muita gente aqui pulou de alegria e êxtase no idos de 94/95 com a trilha sonora de “Pulp Fiction”, já que muitos daqueles sons (senão a maior parte) eram coisas realmente difíceis de se conseguir por estes prados, ainda porque nem existia a possibilidade de baixarmos sons pela internet. Não era pra menos, o disco em si começava do mesmo jeito que o filme, o casal Pumpkin e Honey-bunny (Tim Roth e Amanda Plummer) iniciavam o assalto à cafeteria onde Vincent Vega e Jules Winfield faziam seu breakfest após um exaustivo expediente, e em seguida entrava uma melodia grega tocada por uma legítima Fender Stratocaster: “Misirlou”, de Dick Dale; a mais lembrada de todas. Uma trilha sonora PERFEITA, formada por músicas escolhidas a dedo pelo próprio Tarantino, onde clássicos do surf-instro como Centurians, Link Wray, Lively Ones, Tornadoes, The Revels, The Markets e outros tantos dividem harmoniosamente seu espaço com medalhões da black music - Kool & The Gang e Al Green; folk rockers - Dusty Springfield, Maria McKee e Satler Brothers; e astros consagrados - Chuck Berry, Rick Nelson e Neil Diamond (regravado pela então revelação, Urge Overkill).


Cães de Aluguel, ao som de
"Little Green Bag", de George Baker Selection



Exageros à parte, mesmo contendo muita coisa antiga, sua trilha sonora foi um sopro de renovação e uma lição para todos aqueles que desejavam boa música e sentiam-se constipados com as idiotices veiculadas pelo rádio (se naquela época o rádio era ruim, o pior ainda estava por vir), e foi graças a esse frenesi que a rapaziada começou a pesquisar mais e buscar por outras coisas daquele “estreante”; vide o caso de “Amor À Queima Roupa” e “Assassinos Por Natureza” (True Romance e Natural Born Killers), que apenas foram escritos por ele; e “Cães de Aluguel” (Reservoir Dogs), escrito, dirigido e atuado pelo próprio.
Tanto em “Amor...” quanto em “Assassinos...”, Q.T. sentiuse um tanto quanto “desvirtuado”, mas ainda assim podíamos sentir pungentes suas referências sonoras e culturais, como o predileção da Alabama (Patricia Arquette) por Phill Spector e o Elvis (Val Kilmer) de Clarence (Christian Slater) a dar-lhe conselhos, ou até mesmo a saga de Mick e Mallory (Woody Harelson e Juliette Lewis) permeada por canções do disco “The Future” de Leonard Cohen.
Assim, tanto “Cães de Aluguel” como “Jackie Brown” fazem sua clara homenagem aos seventies. Em “Cães...” podemos destacar o nederbeat pulsante da George Baker Selection tocando “Little Green Bag”, o folk rock dos escoceses do Stealers Wheel com “Stuck In the Middle With You” e a bela “Coconut” de Harry Nilson. Em “Jackie Brown”, além da protagonista vivida pela musa black, Pam Grier, podemos ouvir pérolas como clássicos dos DelPhonics, The Association até mesmo do homem de preto, Johnny Cash.

Uma Thurman: A noiva em ação, em KiLL BiLL


Passados seis anos, em 2003 Q.T. volta à ativa como diretor e roteirista em Kill Bill 1 e 2, onde faz uma clara homenagem ao faroeste italiano de nossas inesquecíveis Sessões da Tarde (Leone, Fulcci, Corbucci etc), bem como aos antológicos filmes de kungfu e samurais da Shaw Brothers e dos estúdios Toey, que costumávamos assistir toda terça feira no Poltrona R (“O Clan da Lótus Branca”, “Os Cinco Dedos da Morte”, “O Guerreiro de Um Só Braço Contra O Mestre da Guilhotina Voadora”, “The Original Street Fighter”, “O Jogo da Morte”, “Lady Snowblood” etc). A trilha sonora não ficava atrás, já que podíamos ouvir de tudo um pouco; desde pérolas do spaghetti western (Morricone, Ortolani, Bacalov, Micallizzi etc) até hip-hops furiosos (Wu-Tang Clan), passando por maravilhas da black music instrumental (Isaac Hayes), relíquias do kraut alemão (Neu!), delícias do pop sessentista inglês (The Zombies) e rockabillies e hillbillies também (Charlie Feathers, Johnny Cash etc).
Em 2006, foi lançado lá fora o filme “À Prova de Morte” (Death Proof), uma clara homenagem ao clássico “Faster Pussycat, Kill!!! Kill!!!”, de Russ Meyer, e cuja trilha sonora também é permeada por acepipes sonoros do naipe de “Hold Tight”, da banda Dave Dee, Dozy, Beaky, Mick & Tich, e de “The Love You Save”, de Joe Tex. Como este filme (por razões completamente misteriosas) até agora não saiu no Brasil, apenas os fãs mais aficcionados tiveram acesso, principalmente via internet.
Pois bem, o que acontece é que há pouquíssimo tempo (na segunda metade do ano passado) Tarantino lançou mais um clássico do divertimento familiar: “Os Bastardos Inglórios” (The Inglorious Basterds); que no esteio dos demais, presta uma bela homenagem ao cinema em si, seja pelo enredo claramente inspirado em filmes como “Os Doze Condenados” e “A Cruz de Ferro”, seja pela trilha sonora. Aliás, é bom lembrar que Q.T. convidou Ennio Morricone para compor sua trilha, mas por incompatibilidade de agenda, o Maestro achou melhor declinar do convite. Mas isso não foi problema, já que muitas de suas composições e de outros grandes nomes, como David Bowie mesmo, também figuram nas cenas deste filme que hoje concorre a oito Oscars.


Agora, respondendo à pergunta do título, Quentin Tarantino é F**A simplesmente porque, como ninguém, consegue resgatar e sintetizar magistralmente peças cruciais do intrincado quebracabeças que está em nossa formação cultural e que os pudores estéticos da crítica dita especializada e da ditadura do politicamente correto sempre fizeram questão de rechaçar. Ademais, o lance hoje é grudar a cara na tevê e torcer para que este filme fature muitos e muitos bonequinhos!

Max Merege, além de roqueiro, ama e respeita cinema bem mais que muito cineasta de nariz empinado.



Que tal um drinque no inferno????


Bonequinhos.........

segunda-feira, 1 de março de 2010

CHRIS MURRAY: SIMPLES ATÉ A MEDULA



Qual é a primeira coisa que você pensa antes de ir a show de reggae? Talvez você pense em pessoas de orientação ratafari, com dreadloks até os pés, fumando toras de maconha, vestidos com camisetas do Bob Marley, com bolsas e chapéus nas cores da Jamaica e devaneando sobre toda sorte de assunto que fuja à nossa compreensão cartesiana. Bem, então é bom que esqueçamos de tudo isso e lembremos que reggae, além de música e estilo de vida, é um estado de espírito que vai muito mais além do que supõe nossa vã filosofia...

O artista em questão é um branquela canadense, desses magricelas que raramente viram o sol na infância, mas que manda tão bem no reggae, ska e rocksteady quanto qualquer jamaicano nativo. Chama-se Chris Murray e volta e meia ele vem tocar pelo Brasil e por toda América do Sul. Ano passado mesmo ele esteve por aqui e foi super bem falado por público e crítica.
Mesmo morando em Los Angeles, a melhor definição para ele talvez seja a de um cigano sonoro já que a cada dia ele está tocando em algum canto remoto do mundo. E sabe qual é a parte mais impressionante de tudo isso? É que ele não costuma escrever um setlist das músicas que vai tocar, mas sim, segue o que o público pede.
Filho de pais músicos, Chris Murray, desde cedo viu-se envolvido neste admirável mundo artístico. Fosse por sua mãe tocando velhas pérolas caribenhas ao piano, ou por seu pai, um exímio apreciador de jazz. Contudo, a parte que mais lhe tocaria os ouvidos e a alma viria entre os 10 e 15 anos, a partir de alusões britânicas à música jamaicana, por meio de clássicos como "Obladi-Oblada" com os Beatles, "I Shot The Sheriff" com Eric Clapton, "Dyier Maker" com Led Zeppelin, e por fim "One Step Beyond" com Madness, o que serviu de pontapé inicial para entender o que realmente queria tocar e apresentá-lo ao maravilhoso mundo do 2Tone.
Entre o final dos anos 80 e começo dos 90, Chris Murray encabeçou uma banda canadense chamada King Apparatus, que também foi um dos principais nomes do Ska 3rd Wave. Finda a banda, fez fama como um grande produtor. Por volta de 1993, conheceu pessoalmente os lendários Skatalites, em um festival na Inglaterra que também contava com nomes da envergadura de Selecter, Special Beat e The Toasters no pacote. Não demorou e tornou-se o manager da tour da lenda jamaicana pela escaldante Califórnia.


Ah, sim, Chris Murray já acompanhou muita gente de peso nos palcos, como Lloyd Knibb e Lloyd Brevett, dos Skatalites, Prince Buster, The Specials etc. E acaso ele se gaba disso?! Que nada! Tem muito orgulho, sim, e sente-se profundamente honrado por ter trabalhado com caras tão importantes, mas isso não o torna um esnobe ou qualquer tipo de estrelinha. Aliás, o ponto mais forte de tudo é que sua simplicidade, tanto como músico quanto uma pessoa comum, vão totalmente de encontro a este mundo formado por celebridades instantâneas e de glamour artificial que a cada dia tem-se feito mais e mais pungente; e, é claro, opõe-se também a esta ditadura que reza que para se fazer um bom trabalho, o músico precisa manter o "nariz empinado" e desgastar-se em um universo de técnicas inúteis. Tal qual sua obra, o supracitado artísta também é simples, pulsante e direto! Não faz muito, em dezembro do ano passado, enquanto passava uns dias em Curitiba, pude testemunhar isso. Eu já sabia que o tal do Chris Murray ia tocar por lá. Ouvira pouca coisa até então, o suficiente para saber que seria um bom divertimento, ainda mais porque o que eu e meu irmão queríamos mesmo era ver a banda de abertura: Rocksteady City Firm; encabeçada por meu velho amigo, o cantor Rodrigo Rodrigues. A banda estava maravilhosa! Tão boa que eu até me senti no Maranhão! Mas quando entrou Chris Murray, meus caros, aí sim o lugar pegou fogo! Configuração de palco, a mais simples possível: o próprio Chris Murray tocando violão e cantando, mais dois músicos brasileiros: Rodrigo Cerqueira (Firebug e Skuba) na bateria e Edu Sattajah (Leões de Israel e Brasilites) no upright-bass. Em poucas palavras, um legítimo powertrio! Sim, foi o show que faltava eu assistir para fechar 2009 com chave de ouro e certamente refletir mais acerca de se ter uma banda. Será que é preciso tanto equipamento, tanta técnica, tanto glamour e tanta pose para ser um astro?! Chris Murray, do modo mais simples possível, provou que não! Basta apenas saber o que quer tocar e tocar o ferro na boneca!

Por hoje é isso, queridos leitores. Próxima semana tem mais. Um grande abraço a todos.


Discografia básica:

com
King Apparatus: Loud Party (1989), King Apparatus (1991), Hospital Waiting Room (1992), Marbles (1993); em carreira solo: 4-Trackaganza! (2001), Raw (2002), 4-Track Adventures of Venice Shoreline Chris (2003), One Everything (2005), Slackness (2005, parceria com a banda The Slackers)
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Artigo originalmente publicado no Jornal Folha do Estado, Cuiabá-MT, domingo, 28/02/2010.


Videos de CHRIS MURRAY