terça-feira, 23 de dezembro de 2008

THE POGUES

É comum quando se fala em THE POGUES, associar de cara à figura bizarra do vocalista Shane McGowan, cuja imagem parece se sobrepôr ao talento, principalmente em um mundo forjado sobre as aparências.

Sim, nos anos 80 e 90, muito tempo antes da Amy Winehouse aparecer, o cara já bagunçava o coreto pelas ruas de Londres, e infelizmente, além de ser lembrado como o sujeito mais feio da face da Terra (se cara tiver 6 dentes na boca, ainda é muito!), ele também se notabilizou como o pior junkie e bebum do mundo pop.

Fora esses defeitos irrefutáveis, McGowan carrega consigo a pecha de mestre do chamado etno-punk, fusão do punk-rock com a música folk, já que o próprio Shane McGowan, além de ter cantado em uma banda chamada The Nips (77-80), também crescera como um entusiasta da cultura céltica; afinal, apesar de ter nascido nos suburbios de Londres, McGowan é irlandês de pai e mãe e também foi criado na bucólica Irlanda.

Em 81, logo após o fim dos Nips, Shane se uniu a Peter "Spider" Stacy (flauta) e Jem Finer (banjo), para começar algo realmente diferente...



Feio é apelido, e um apelido bonzinho!




DEBUT



Até então, a inserção de elementos tradicionais ao punk-rock era algo muito tímido e justamente os Pogues "chutaram o pau da barraca" ao mesclarem pra valer o punk de sua formação juvenil com melodias tradicionais irlandesas, com as quais foram criados.

Em 82, a banda que a princípio se chamava Pogue Mahone, já fazia suas primeiras apresentações pelos pubs londrinos. Outros 3 membros somavam-se então ao conjunto: James Fearnley (acordeão), Cait O'Riordan (baixo) e Andrew Ranken (bateria).

Gravaram um single por conta própria, em 83, e em seguida abriram shows do The Clash. No ano seguinte, ganharam atenção especial, apareceram na BBC e em outubro lançaram o disco "Red Roses for Me" pela Stiff Records, uma gravadora que, aliás, estava com os dois pés na bancarrota.

Mudando um pouco de ares, a banda pode contar ainda com a entrada do guitarrista Philip Chevron e com a força do músico Elvis Costello para produção do disco "Rum, Sodomy & Lash", cujo título se referia a um suposto e polêmico comentário de Winston Churchill acerca da marinha britânica na Segunda Guerra. Destaque para "The Old Main Drag" e "The Sick Bed of Cúchulainn", que revelaram o lado mais poético de Shane, e releituras condignas para "And the Band Played Waltzing Matilda" (Eric Bogle) e a clássica "Dirty Old Town" (Ewan MacColl).

Em 86, lançam apenas um EP de 4 faixas chamado "Poguetry in Motion". A baixista Cait O'Riordan deixa a banda para se casar com Elvis Costello, entrando para seu lugar Darryl Hunt e o multi-instrumentista Terry Woods.




FAIRYTALE OF NEW YORK



Já com tudo em cima, a banda grava dois discos que figurariam por um bom tempo no top 5 das paradas britânicas: "If I Should Fall from Grace with God" (88) e "Peace and Love" (89).

Do disco de 88 vem o single "Fairytale of New York", clássico natalino com a participação da cantora Kirsty MacColl, que por conta de alguns versos tidos por "desbocados" pela conservadora sociedade britânica, deu muito o que falar nos últimos 20 anos.


Kirsty MacColl & The Pogues



Em 91, após gravarem "Hell's Ditch" e às tampas com o comportamento de Shane, a banda deu um jeito de tirá-lo da jogada. Quem acabou segurando as pontas nos vocais foi o eterno Clash e também produtor da trupe, Joe Strummer.

Tão logo Strummer saiu, os Pogues remanescentes gravaram e lançaram "Waiting for Herb", que continha o bem sucedido single "Tuesday Morning".

Em meio às constantes entradas e saídas de integrantes, a banda já não via a hora de acabar. Assim, em 96, entoa o seu "canto do cisne" com o disco “Pogue Mahone”, que apesar de ser um bom disco, demonstra-se um fracasso nas vendas quando do seu lançamento, o que foi um tiro de misericódia para a banda.

Um detalhe curioso é que há pouco tempo, a música “Love You 'Till The End", do mesmo disco “Pogue Mahone”, foi o tema de amor no filme baba “P.S. I Love You”, cantada em dueto por Hillary Swank e Gerard Butler, em uma trilha também contou com "Fairytale of New York".


"Love you 'till the end ..."



PELAS ADJASCÊNCIAS DO OFÍCIO


Mal acabaram os Pogues, seus remanescentes continuaram tocando sob os nomes de The Wisemen e The Vendettas. Shane criou uma banda chamada Shane McGowan & The Popes e que teve até participações de Johnny Dep na guitarra.



A VOLTA


Brixton, Dezembro de 2004



O "intervalo" só durou 5 anos, até a volta da banda - com sua formação clássica - em 2001 para um especial de Natal. A coisa deu tão certo que tours e shows ao redor do mundo passaram a ser agendados.

Para cada apresentação, têm conseguido esgotar a lotação de onde quer que toquem. Isso tem sido uma constante na vida da banda por esses últimos 7 anos. Ainda não vieram tocar no Brasil.

Por hoje é isso, meus caros. Desejo a todos um FELIZ NATAL, ao som de “Fairytale of New York”.




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Max Merege, além de ser um inveterado curtidor de rock e dedicado pesquisador musical de Cuiabá, também é publicitário e, certamente, um sujeito bem mais bonito que o Shane McGowan.



21 de Dezembro de 2008
Caderno FOLHA 3
Jornal FOLHA DO ESTADO
Cuiaba - Mato Grosso

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

DENGUE FEVER, não tem como escapar!


Como o próprio nome diz, DENGUE FEVER é a "Febre da Dengue". Diga-se de passagem que isso também vai direto na saúde da alma, afinal trata-se de um tipo exótico de música pop que a cada dia tem se proliferado pelos cantos do mundo real e virtual. É o que podemos chamar de banda "multi-cultural" ou grosseiramente falando, um "bom fruto da globalização".


Formada em 2001, na cidade de Los Angeles, Califórnia, o Dengue Fever tem em seu line-up dois irmãos de origem judaica e uma cantora cambojana, mais um trio formado por experientes musicos da área.

Achou estranho? E olha que isso dá samba, e dos bons!


HOLLIDAY IN CAMBODIA...

Só para se situar um pouco no tempo-espaço, no Camboja produzia-se música pop de excelente qualidade, já que na época da ocupação americana no vizinho Vietnã, de 1967 a 1975, as rádios do exército costumavam tocar os grandes sucessos do ocidente, como Beatles, Rolling Stones, Beach Boys, The Who, Animals, The Doors etc. Assim, jovens cambojanos resolveram reinterpretar aquelas músicas à sua maneira e criaram algo completamente diferente de tudo o que se conhecia.

Pena que a cena que então surgia, morreu prematuramente em 1975, quando o khmer vermelho - a ditadura de lá - cuidou de matar quase todos os artistas. Desses, alguns conseguiram fugir para países vizinhos como a Tailândia e o Vietnã. Como se isso não fosse o bastante, os “agentes culturais” do governo tiveram o cuidado de aniquilar os acervos das gravadoras e também fizeram o favor de queimar tudo quanto era disco de vinil, sob o pretexto de erradicar qualquer tipo de influência "burguesa" advinda do ocidente capitalista.

O que restou foram alguns discos, cuidadosamente escondidos nas casas e que tempos mais tarde circulariam sob a forma de fitas k7, vendidas nas barraquinhas de camelôs, pelas ruas de Phnom Pehn.

Passados alguns anos, as tais fitas k7 tornaram-se um valioso souvenir entre mochileiros europeus e norte-americanos, que passaram a carregá-las em suas bagagens. Não demorou muito e o pop cambojano ganhou o mundo por meio das facilidades da internet e do advento do mp3, tanto é que pelos softwares de compartilhamento, as coletâneas “Cambodia Rocks” são campeãs de downloads.


ENFIM, UMA BANDA

Em 1999, inspirados por uma viagem ao Camboja, os irmãos Ethan e Zac Holtzman, fãs de carteirinha dos Mutantes e de Sérgio Mendes, tomaram conhecimento da tal sonoridade exótica e fascinante e a incorporaram às influências de uma banda que então nascia. À trupe somaram-se ainda os amigos Senon Williams, Paul Smith e David Ralicke. Todavia, só faltava uma voz para entoar tais melodias no misterioso idioma...

Passados poucos mêses, circulando pelos karaokes de um bairro cambojano de Los Angeles, depararam-se com uma jovem cantora chamada Chhom Nimol. Pronto! Finalmente encontraram a peça que faltava em seu quebra-cabeças.

Chhom Nimol já era uma estrela de karaoke no Camboja. Viajara aos EUA apenas para visitar sua irmã. Gostou tanto de lá que acabou se fixando, pois mesmo acompanhada de play-backs ela podia sempre contar com um dinheirinho dos cachês pagos pelos diversos clubes e restaurantes da comunidade. Demorou algum tempo para ela digerir a idéia de cantar com uma banda e após insistentes convites, aceito enfim ensaiar com os irmãos Holtzman e seus amigos. A química deu tão certo que ela se tornou de fato a voz da banda.

Chhom Nimol



A ESTRADA...

Em 2003 debutaram com seu auto-intiulado primeiro disco, cujas letras eram todas cantadas no idioma khmer e cujo repertório consistia em grande parte de regravações para canções de Ros Sereysothea e Sinn Sisamouth, os maiores ídolos da música cambojana.

Com uma boa vendagem nas comunidades de imigrantes, a princípio, Dengue Fever atingiu também o público de múscia independente local e, por acréscimo, fãs da world music.

Excursionaram pelo Camboja e tocaram por tudo quanto foi buraco de lá, tornando-se verdadeiros ídolos nacionais. No mesmo ano de 2005, apareceram na trilha sonora do filme “Broken Flowers”, de Jim Jarmush, e também lançaram “Escape From Dragon House”, que além de ter sido um enorme sucesso de vendas no site amazon.com, também mereceu (em agosto de 2008) uma reedição em vinil colorido.

Em junho deste ano, após ganharem a simpatia do músico Peter Gabriel, lançaram o disco “Venus On Earth”, por seu selo Real World Records. Curiosamente, o disco foi lançado primeiro para fora dos EUA e Canadá, e para variar, fizeram o maior sucesso pelo mundo...

Por hoje é isso, meus caros, semana que vem tem mais. Um grande abraço a todos!

DENGUE FEVER é: Chhom Nimol (vocais), Zac Holtzman (guitarra e voz), Ethan Holtzman (órgão Farfisa), Senon Williams (baixo), David Ralicke (metais) e Paul Smith (bateria).

Discografia:

Dengue Fever (2003)


Escape from Dragon House (2005)


Venus On Earth (2008)

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14 de Dezembro de 2008
Caderno FOLHA 3
Jornal FOLHA DO ESTADO
Cuiaba - Mato Grosso

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Simplesmente MUTANTES


A história começa nos idos de 1965, no bairro da Pompéia, em São Paulo, quando os irmãos Dias Baptista - Cláudio e Arnaldo - e os amigos Raphael Vilardi e Roberto Loyola se juntaram com as amigas Rita Lee Jones e Suely Chagas para um barulho, pois ao mesmo tempo em que os meninos tocavam freakbeat tupiniquim, sob o nome de The Wooden Faces, as meninas tinham um grupo vocal chamado The Teenage Singers.
Somaram-se então à trupe, o guitarrista Sérgio Dias - irmão caçula dos Dias Baptista - que veio para o lugar de Cláudio, e o baterista Pastura. Nascia assim a banda O'Seis.
Em 1966, lançaram um compacto que deu o que falar, pois além de explorarem sonoridades avançadas, suas letras também vinham recheadas de humor negro, coisa nada comum no mundo da jovem guarda. Vendeu pouco, mas por outro lado conquistou a simpatia do cantor e apresentador Ronnie Von, que os convidara para tocar em seu programa na TV Record. Como viviam uma fase de muitas mudanças, por sugestão do então novo grande amigo, mudaram o seu nome para Mutantes.
Em seguida, acompanharam Ronnie Von em um disco arranjado pelo Maestro Rogério Duprat. Este disco contém o clássico tropicalista “Pra Chatear" e que conseguiu renir os Mutantes, Ronnie Von, Caetano Velloso e o Maestro Duprat em uma mesma faixa.
Ainda em 1967, acompanharam Gilberto Gil em “Domingo No Parque”. Nesse embalo, sob os cuidados do maestro, gravaram também cinco músicas com a "Banda Tropicalista de Rogério Duprat" e acompanharam Caetano Velloso em “É Proibido Proibir”.


Um ano que não acabou...


Finalmente em 1968 lançararam seu primeiro lp: "Os Mutantes"; e também participaram do antológico álbum "Tropicália", com o Maestro Duprat, Caetano Velloso, Gilberto Gil, Nara Leão e Tom Zé.
Nesses tempos, as vaias eram constantes, já que até então a mpb não tolerava o uso de guitarras elétricas e nem extravagâncias que extrapolassem o seu rígido padrão “banquinho e violão”. Os Mutantes - bem como o Chacrinha - viraram a coisa do avesso e fundiram o Brasil com o Mundo, quebrando todas as fronteiras artísticas e estéticas possíveis. Seus álbuns ganharam lugar de destaque entre os discos mais importantes dos últimos cinquenta anos, e até hoje figuram entre os nomes mais influentes da cultura pop universal.
Posteriormente, entre 1969 e 1972, sob sua já consolidada formação clássica - Arnaldo, Sérgio, Rita, Liminha e Dinho - apresentaram oficialmente outros quatro discos como “Os Mutantes” e mais dois creditados a “Rita Lee & Os Mutantes”.




Do Brasil para o mundo



Em 1970, os Mutantes viajaram à Europa para tocar em um importante evento na França. Conseguiram um ótimo esquema para gravação e lançamento de material por aqueles lados, mas graças à burocracia da gravadora, o tal disco que por lá gravaram ficou engavetado por trinta anos e só saiu em 2000 sob o nome de "Technicolor", cuja arte de capa fora assinada por Sean Lennon, filho de John Lennon e discipulo de Arnaldo Baptista.


O primeiro final


Em 1972, o casamento de Rita e Arnaldo estava com seus dias contados. A banda enfrentava problemas com a gravadora: restrições contratuais, gravações "sem apelo comercial" etc. Rita Lee já nem estava mais com eles. Um dos casos foi a "geladeira" de vinte anos para o disco "o A e o Z".
Em meio a esse estresse, Arnaldo troca a banda pela carreira-solo e em 74 lança o disco “Lóki” que, bem ou mal, teve a participação dos Mutantes e arranjos do maestro Duprat, mas revelou também a face melancólica de um artísta que até há pouco era lembrado por sua irreverência. Fora isso, formou o Patrulha do Espaço, passou um tempo no hospício, rachou a cuca, virou pintor e escritor, e voltou a tocar.
Quanto aos demais Mutantes, só restara Sérgio Dias que tocou o nome da banda até 1978 e gravou três discos de rock progressivo. Rita Lee fundou o Tutti Frutti e teve uma bem sucedida carreira-solo. Liminha se tornou um dos maiores produtores do Brasil. Dinho Leme largou a música para virar empresário. E o Maestro Duprat, vítima do mal de alzheimer, faleceu em 2006.



A volta...

Arnaldo Baptista, dinho Leme (fundo) e Sérgio Dias

Em 2006, após 3 décadas longe dos Mutantes, Arnaldo Baptista, Sérgio Dias e Dinho Leme voltam a tocar juntos! Todavia, por conflitos de agenda, tanto Rita Lee quanto Liminha tiveram que declinar do convite. A cantora Zelia Duncan foi a escolhida para os vocais e a um sexteto de apoio coube a missão de preencher a lacuna de Liminha, possibilitando ao vivo coisas que só existiam em estúdio.

Esgotaram a lotação de um grande teatro de Londres e de lá paratiram para uma tour pelos EUA. Não demorou e excursionaram pelas principais capitais do Brasil (pena que não vieram a Cuiabá!).
Missão cumprida, tanto Arnaldo Baptista quanto Zélia Duncan deixaram a banda para se dedicarem a projetos pessoais. Desde então, Sérgio Dias e Dinho Leme têm dirigido a trupe, sem necessariamente usarem o nome Mutantes, mas sempre buscando preservar os arranjos e a magia originais.




O filme


Em abril deste ano foi lancado Lóki, documentário do cineasta Paulo Henrique Fontenelle sobre a vida de Arnaldo Baptista e a trajetória dos Mutantes, com direito a imagens raras, depoimentos de vivos e finados e tudo o que é de se esperar de algo que levou anos para ser feito.
O filme tem sido muito bem falado, mas infelizmente está fora do circuito comercial e sem previsão para sair em dvd. Assim, só resta a nós - meio desligados - esperar a chegada do filme e curtir o que ainda temos à mão...



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Max Merege é um pesquisador musical de Cuiabá que AMA música brasileira, muito mais que muita gente por aí!


Artigo originalmente publicado
dia 07 de Dezembro de 2008
Caderno FOLHA 3
Jornal FOLHA DO ESTADO
Cuiabá - Mato Grosso