segunda-feira, 24 de novembro de 2008

O JUDEU ERRANTE


Por Max Merege

Reza uma tradição judaica que todos aqueles que carregam o sobrenome Cohen, descendem de um personagem muito importante do Velho Testamento: o profeta Aarão, irmão de Moisés; e trazem consigo a missão de ajudar a humanidade, principalmente por meio da palavra…
Leonard Cohen, escritor e músico canadense, é filho de judeus ashkenazi oriundos do Leste Europeu. Cresceu entre as lições do Talmude e a vida numa Montreal católica. Com 17 anos ingressou na faculdade de direito e em seguida trilhou o caminho das letras, sob a tutela do mestre Irwing Layton.
Na década de 50, com alguns amigos, montou uma banda de country-hillbilly para tocar canções de Hank Williams, Tex Ritter e Frankie Lane, mas lançou-se mesmo foi como escritor aos 22 anos, com o livro de poemas “Let Us Compare Mythologies” (1956), sucedido por "The Spice Box of Earth" (1961), o qual lhe renderia fama internacional.
De 1963 a 1966, morou ilha grega de Hydra, de onde lançou a coletânea de poemas "Flowers for Hitler" (1964) e as novelas "The Favorite Game (1963) e "Beautiful Losers" (1966).
Em 1966 mudou-se para New York e decidiu apostar na música como o melhor veículo para a difusão de sua obra e suas idéias, lançando-se primeiramente como compositor.
A primeira intérprete foi a cantora Judy Collins, por meio da qual sua canção “Suzanne” conseguiu atrair a atenção de público e crítica, principalmente por contar a história de uma fantasia amorosa inconcretizável com a esposa de um amigo seu. Aliás, sua obra é um mosaico permanente de histórias de amor impossível e palco de constantes reflexões filosóficas existênciais que remetem claramente a episódios da Torah e do Talmude.
Entre o final ’67 e meados de ’69, LC lançou os discos “Songs Of Leonard Cohen” e “Songs From a Room”, que por meio de canções como a já citada “Suzane”, “So Long, Marianne”, “The Sisters Of Mercy”, “Bird On A Wire” etc, lançou-se de vez no restrito círculo dos poetas cantores.
Seu terceiro álbum, “Songs Of Love And Hate”, é lançado em 1971 e até hoje é considerado um dos discos mais tristes e soturnos dos últimos 50 anos na história da música pop. Em 1972, LC traz à luz o livro “The Energy of Slaves”, uma novela que ainda mantém o clima melancólico de seu último disco, mas com alguns resquícios de “esperança”.
Nos EUA, LC gozou de razoável sucesso e conquistou respeito de todos. No Canadá, tornou-se uma espécie de herói nacional, e pela Europa, uma figura amada.



Em 1973, tão logo lançou o disco ao vivo “Live Songs”, LC foi convidado pelo governo israelense para fazer alguns shows para os soldados na guerra do Yom Kippur. Bebeu taças de vinho e dividiu conhaque com um então fã seu, o General Ariel Sharon, mas por conta de tanta tensão, Leonard Cohen acabou se desolando com a guerra, até então vista apenas pelo lado romântico das histórias contadas pelos vencedores. Em virtude de tal situação, no ano seguinte, em seu álbum “New Skin For The Old Ceremony”, lançou a música “Who By Fire”, baseada no poema litúrgico "Unetaneh Tokef", que reflete sobre o que vale e o que não vale a pena nessa vida.
A coletânea “Greatest Hits: The Best Of Leonard Cohen”, é lançada em 1975 e passa a abranger todos os seus grandes êxitos, desde seu primeiro disco de ’67 até seu último disco de ’74.


DEATH O LADIES’ MAN


1977 ficou marcado como um ano conturbado para LC, pois além de se divorciar da mãe de seus filhos, gravou o disco “Death Of A Ladies’ Man”, fruto de uma tempestuosa parceria com o produtor Phil Spector.
A relação de Cohen com Spector fora um tanto tumultuosa, pois tão logo concluiram-se as sessões de gravação, Spector trancou-se no estúdio e pôs-se a mixar sozinho o disco, à revelia de LC.
Mesmo tendo participações de Bob Dylan e do escritor Allen Ginsberg, “Death Of A Ladies’ Man” (que inclusive conta com uma foto de sua ex-mulher na capa) foi por vários anos um disco “renegado” por LC. Entretanto, àquela época, o álbum ganhou o status de cult por entre punk-rockers e afins, que passaram a lhe escrever constantemente cartas e mais cartas de elogios e agradecimentos por ter sido este o “portal de entrada” para o conhecimento mais aprofundado de sua obra.
No ano seguinte, ainda injuriado com a vida, LC lançou o livro “Death Of A Lady’s Man”, cujo título era claramente alusivo ao seu “fatídico” disco anterior, haja vista que o título do disco era sobre a “Morte de Um Mulherengo” enquanto o título do livro era sobre a “Morte de Um Marido”. Enfim, é a licença poética em ação…
Para fechar a década de modo dígno, segundo o próprio Cohen, vem à luz, em ’1979, o álbum “Recent Songs”, cuja idéia principal era a de resgatar uma sonoridade que ficou em “New Skin For The Old Ceremony”.



Bem sucedido entre público e crítica, o álbum rendeu-lhe até mesmo uma tourneé que ficou registrada em um disco que só iria sair em cd no ano de 2001, sob o nome de “Field Commander Cohen: Tour of 1979”. Após toda essa badalção, Leonard Cohen decide-se por tirar umas “férias” de 5 anos, mas aí já é assunto para uma próxima ocasião…
Um grande abraço a todos e até lá!


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Parte 2


A Volta das Férias...

Após a conturbada década de ’70, Leonard Cohen optou por se retirar do show business. Entre ’80 e ’84, nada de inédito foi lançado até o álbum “Várious Positions”, que trouxe uma série de pérolas como “Dance Me To The End Of Love”, “If It Be Your Will”, “Heart With No Companion” e “Hallellujah”. Em 1985, LC lança o livro de poesia “Book Of Mercy”, cujos poemas mantém o mesmo teor temático de seu último disco.
“Hallellujah”, apesar de não ser a música mais regravada de Cohen, certamente é a mais executada, mesmo que por interpretes tão diversos, como Bono Vox, KD Lang, Sheryl Crow, John Cale, Rufus Wainwright (no filme do Shrek), Bob Dylan, e principalmente, Jeff Buckley, versão esta que além de aparecer na trilha de The OC, também foi a mais baixada no iTunes, em março de 2008.


Em 1987, a cantora Jennifer Warnes, que nos anos 70 foi vocalista de apoio de LC, apresenta “Famous Blue Raincoat, The Songs of Leonard Cohen”, um importante e abrangente álbum-tributo à obra de Cohen. Dentre os convidados, presenças ilustres como o guitarista Stevie Ray Vaughan, o baterista Vinnie Colaiuta, o maestro Van Dyke Parks e o próprio Cohen cantando "Joan of Arc". O disco foi muito bem recebido, principalmente por um público que já a conhecia de “Time Of My Life”, trilha do filme “Dirty Dancing”.
Um ano mais tarde, o disco “I’m Your Man” é lançado. Além da faixa título, o álbum conta também com “Everybody Knows”, “Tower Of Song”, “I Can’t Forget”, “First We Take Manhattan” e “Take This Waltz”. Esta última, uma brilhante adaptação para o poema “Pequena Valsa Vienense”, de Federico Garcia Lorca. Aliás, poucos discos até então alcançaram a proeza de emplacar 80% de seu repertório nas paradas, como foi o caso deste.



WAITING FOR A MIRACLE TO COME…


Seu único disco de inéditas na década de 90, “The Future”, é lançado em ’92.
Profético, pode ser considerado uma advertência para um futuro que pode ser mudado, já que muito do que figura em suas letras, tem se concretizado nos últimos tempos, como a queda das Torres Gêmeas, a interminável Guerra do Golfo, a crise econômica mundial, a banalização da violência, a eleição do Obama e muitas outras coisas mais…

Em 1994 sai o disco “Cohen Live, In Concert”, com gravações de shows de ’88 a ’93. Neste mesmo ano, por sugestão do roteirista Quentin Tarantino e do músico Trent Reznor, o diretor Oliver Stone usou 3 faixas do disco “The Future” no filme “Assassinos Por Natureza” (Natural Born Killers).
No ano seguinte, LC tira novas “férias” prolongadas, desta vez em mosteiro zen-budista, sendo no ano seguinte ordenado monge. Seu retiro durou até ’99.
Durante os anos de reclusão, muita coisa é lançada, principalmente entre 1995 e ’97. “Dance Me To The End Of Love” torna-se um vídeo-clipe pelas mãos de Quentin Tarantino e Aaron A. Goffman, sendo que sob o mesmo título vem à luz uma coletânea de poemas ilustrada por pinturas de Henry Matisse, ao passo que em 1997 sai a coletânea “More Best Of”, abrangendo os anos de ’84 a ’94.


DEZ NOVAS CANÇÕES…

De 2001 a 2004, de volta à música, Leonard Cohen grava os discos “Ten New Songs” e “Dear Heather”, que muitos fãs consideraram como material de despedida. No entanto, o próprio Cohen assegurou que melhores coisas ainda estavam por vir…
Mas isso só até 2006, quando é lançado o show-documentário “I’m Your Man”, co-produzido por Mel Gibson, e que intercala depoimentos do próprio Leonard Cohen com cenas de um show-tributo feito na Austrália, por artístas do porte de Nick Cave, Ruffus & Martha Wainwright, Jarvis Cocker, U2, Perla Batalla & Julie Christensen, e vários outros convidados especiais. Outros tributos de peso foram os discos “I'm Your Fan” (1991) e “Tower Of Songs” (1995), que igualmente contaram com a presença de muita gente famosa…
No mesmo ano, LC encabeça a produção e a co-autoria das músicas do disco de sua então nova namorada, a cantora havaiana Anjani Thomas. Em 2007, de uma parceria com o também canadense Philip Glass, lança “The Book Longing”, uma “ópera minimalista” composta em cima do livro homônimo de poemas de Cohen.


LEGADO

Apesar de pouco conhecido no Brasil, Leonard Cohen é um dos compositores mais queridos da música pop. Mote de acaloradas discussões em círculos literários e mesas de bar, este é tema constante de teses e monografias mundo afora, “comparável” a Vinícius de Moraes.
Tendo recebido até uma homenagem de Kurt Cobain em “Pennyroyal Tea”, Leonard Cohen também tem sido regravado por artístas como Johnny Cash, Willie Nelson, Neil Diamond, Elton John, Eric Burdon, Bob Dylan, Dion Di Mucci, Joan Baez, John Cale, Frida Lyngstadt, Echo & The Bunnymen, REM, Jeff Buckley, Pixies, U2 etc e brasileiros como Renato Russo e Tony Platão, só para citar alguns.
Uma boa dica aos que o desconhecem, é a coletânea “The Essential Leonard Cohen”, um cd duplo que cobre quase 4 décadas de sua carreira na música.
Especula-se que até março de 2009, um novo disco seu sairá. É esperar para ouvir!

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Max Merege é pesquisador musical de Cuiabá. Já foi radialista, trabalha na propaganda, já teve banda de rock e influenciou muita gente. Só não cumprimentou o Leonard Cohen, ainda!
Artigo originalmente publicado em duas partes
dias 23 e
30 de Novembro de 2008
Caderno FOLHA 3
Jornal FOLHA DO ESTADO
Cuiabá - Mato Grosso

O Q Q A ALEMOA TEM ?!


LINDA GAROTA DE BERLIM

Nina Hagen é uma das figuras mais enigmáticas que apareceram na cultura pop dos últimos 40 anos. Com uma vida e uma carreira recheadas de altos e baixos, ela é prova viva do artísta que se recicla e que atravessa os anos com a mesma vitalidade de quando surgiu para o mundo.


O começo de tudo


Leste de Berlim, há 5 décadas atrás...


Catharina Hagen nasceu no dia 11 de Março de 1955, em Berlim, na então Alemanha Oriental. Filha de Hans Hagen e Eva-Maria Hagen, uma artísta muito conhecida por aqueles lados da Alemanha.
Aos 2 anos testemunhou a separação de seus pais, sendo que com o passar do tempo seu contato paterno fez-se cada vez mais raro. Contudo, foi na família que Nina teve sua primeira grande influência na vida artística. Aos 4 anos entrou para o ballet e aos 9 já era considerada um prodígio na ópera. Quando fez 11 anos, sua mãe se casou com um intelectual subversivo chamado Wolf Bierman. Tamanha foi a influência das idéias do padrasto que, no ano seguinte, Nina conseguiu ser expulsa (!!!) da Juventude Socialista. Aos 16, deixou a escola para montar uma banda, com a qual conseguiu a proeza de adicionar ao repertório muitas músicas que até então eram proibidas pelo regime, como canções de Janis Joplin e Tina Turner.



Carreira


Capa de "Du Hast den Farbfilm vergessen",
coletânea
que abrange todo o começo de sua carreira.


Por volta de 1972-73, Nina estudou performance musical no "Estúdio Central da Música Leve de Berlim Oriental" (!) e em seguida formou a banda Automobil, tornando-se muito conhecida naquela região, principalmente como a mais jovem revelação da schlagermusik (música pop alemã), o que durou até 1975, tendo inclusive lançado alguns singles pelo selo estatal AMIGA e excurcionado por toda a região da Saxônia e de Brandemburgo.


Nina Hagen & Automobil, 1974

No ano seguinte, seu padrasto havia consiguido um visto de trabalho para entrar na Alemanha Ocidental, todavia teve negada sua entrada na volta ao lado leste. Eva-Maria e Nina, por sua vez, conseguiram um visto para "passar uns tempos" com Bierman do outro lado. Ambas foram embora para nunca mais voltarem à Alemanha Vermelha.
Já no lado ocidental, Nina se mandou para Hamburgo e assinou um contrato com a CBS de lá.
Aconselhada pelo pessoal da gravadora a se aclimatar ao estilo de vida ocidental, viajou por toda Alemanha Ocidental, Austria e Suiça, tendo ainda passado uma temporada na Inglaterra, onde frequentou a cena local e estreitou seu convívio com gente como The Slits, Joe Strummer, John Lydon, Siouxie Sioux etc.
De volta à Alemanha, formou em 1977 a Nina Hagen Band, com a qual gravou os discos "Nina Hagen Band" (’78) e "Unbehagen" (’79), sendo que este último se dividiu em uma parte instrumental gravada na Alemanha e os vocais gravados em Los Angeles, EUA, já que ela tinha outros planos para sua carreira que não ficar na Europa germânica...




Anos 80

Nina & Cosma Shiva, 1982


Tocando com uma nova banda, Nina fez uma bem sucedida tour pela América do Norte. Pouco tempo depois, engravidou do músico Ferdinand Karmelk e em maio de '81, deu a luz à filha Cosma Shiva Hagen, em Los Angeles mesmo. No ano seguinte lançou o album "NunSexMonkRock", seu primeiro disco inteiramente em inglês e recheado com toda sorte de sonoridades.
Por volta de '83, as mudanças se fizeram mais pungentes, pois passou a incluir em suas entrevistas assusntos como transcendência, ufologia, direitos dos animais e vegetarianismo.
Não demorou muito e Nina Hagen fez seu primeiro show no Brasil, em 1985, no primeiro Rock In Rio. Foi uma das melhores apresentações de então, pois poucos artístas tinham a capacidade de concatenar públicos tão diversos, como fãs de heavy-metal, punk rockers e entusiastas da new wave. De quebra, um então garoto conhecido como Supla convidou a diva para um dueto na música "Linda Garota de Berlim", que saiu no disco "Humanos", da banda Tokio. Verdade seja dita, esse disco do Tokio só vendeu mesmo por causa da participação de Nina, algo que se repetiu em 2002, com a mesma música, no disco “Charada Brasileiro”

1985...

Uma parceria com Lene Lovich, traz em '86 o single "Don't Kill The Animals". No ano seguinte, para celebrar o fim de um contrato de 10 anos com a CBS e o casamento com um carinha 15 anos mais novo, Nina lança, de forma independente, o EP "Punk Wedding".
Em '89, sai o album "Nina Hagen" e ela parte para uma tour pela Alemanha, na mesma época em que, da relação com o francês Frank Chevallier, nasce seu segundo rebento: Otis Chevalier-Hagen.



Anos 90


1995

Entra uma nova década e Nina está vivendo em Paris, com seus dois filhos. Lançando discos regularmente, faz muitas tours pela europa e parcerias com muita gente importante (Udo Lindemberg, Dee Dee Ramone, Adamski, Christopher Franke, Rick Jude, Thomas D., KMFDM etc).
Os anos de 1998 e ’99 foram os mais atribulados em termos de trabalho, pois além de gravar o hino de um time de futebol Eisern Union, como um cd-single, Nina também passou a apresentar um programa sobre ficção científica na tv inglesa. Em ’99, lançou o puramente religioso “Om Namah Shivay”, que só foi vendido pela internet. No mesmo ano realizou um velho sonho: encenar uma peça de Kurt Weill e Bertholdt Brecht, na qual fez o papel de Celia Peachum, na peça “Die Dreigroschenoper” (A Ópera dos 3 Centavos).

Die Dreigroschenoper, 1998




Anos 2000

Big Band Explosion, 2004


Após um período de constantes acontecimentos, Nina Hagen adentra a nova década com o pé direito! Seu single “Schön Ist Die Welt” torna-se a música oficial da Expo 2000. Em fevereiro do ano seguinte, lança o disco “The Return Of The Mother” e ainda faz alguns trabalhos com Rosenstolz e Mark Almond (Soft Cell).
Não faz muito, ela gravou com os finlandeses do Apocalyptica o single “Seeman”, uma música do Rammstein, e também o album “Big Band Explosion”, no qual evidenciou sua faceta de crooner ao gravar vários clássicos de swing .

Nina Hagen & Apocalyptica - Seemann / 2003


Nos últimos anos, Nina Hagen tem sido uma ferrenha opositora à guerra no Iraque, além de, é claro, uma incondicional defensora dos direitos dos animais e vegetariana convicta. Enfim, uma legítima deusa da música pop, herdeira artística de Marlene Dietrich, Carmen Miranda e David Bowie, que a toda hora se reinventa, sem correr o risco de envelhecer, mesmo com 50 e poucos anos nas costas...


Promo do Programa de Sci-Fi da tevê Inglesa


Dinamarca, 2002




Artigo originalmente publicado
dia 09 de Novembro de 2008
Caderno FOLHA 3
Jornal FOLHA DO ESTADO
Cuiabá - Mato Grosso

COMO BRIAN WILSON MUDOU A HISTÓRIA

por Max Merege

BENDITO SEJA O SOL …


Há exatos dois mêses, o cantor e compositor norte-americano Brian Wilson lançou o disco “That Lucky Old Sun”, que contou com a participação mais que especial de Van Dyke Parks, um velho amigo e parceiro de longa data, na composição das letras.

“That Lucky Old Sun” surge em um momento mais que oportuno (os EUA têm encarado maus bocados ultimamente!), pois ao mesmo tempo em que evoca imagens de um passado contrastante, também ajuda a reescrever um futuro, na esperança de que mesmo em tempos tão difíceis é possível fazer boa música.

Para os saudosistas, um prato cheio de sonoridades que nunca envelhecem. Para os leigos, um prato cheio de “barulhinhos” delíciosos e canções perfeitas para se ouvir no último volume, ao final da tarde, curtindo um happy hour!

Entretanto, este disco nunca teria saído se BW não tivesse pavimentado seu caminho, ao longo de muitos e muitos anos…




PET SOUNDS E O CONCEITO DE ALBUM CONCEITO




Há quem afirme que o dito rock progressivo tenha surgido com os Beatles, ou também da psicodelia garageira que perdurou no primeiro mundo entre 1964 e '68 (Pink Floyd é o exemplo mais comum!).

Fato é que as verdadeiras experimentações no rock só vieram mesmo à tona - para o grande público - quando Brian Wilson, à frente dos Beach Boys, e que havia 5 anos colecionava um hit atrás do outro, lançou em 1966 a pérola sonora "Pet Sounds", o primeiro disco da história a esgotar todos os recursos técnicos de estúdio até então disponíveis e a explorar os limites da percepção humana.

Ainda que fossem bons músicos na estrada, os Beach Boys propriamente, só gravavam as vozes. Para BW, o trabalho de estúdio precisava ser tercerizado mesmo, uma vez que o album "Pet Sounds" foi inteiramente escrito e arranjado por ele (salvo algumas co-autorias de Tony Asher e Mike Love nas letras) e teve toda a parte instrumental gravada pelos melhores músicos de estúdio da época, o pessoal do WRECKIN' CREW.

Para se ter uma idéia da importância, basta lembrar que até então a produção de um artista da música pop se baseava na cultura dos “singles” e em critérios canônicos estabelecidos pelas gravadoras, firmados em músicas de trabalho e hits em potencial, por exemplo.

“Pet Sounds” inaugurou a era dos "discos conceito". As músicas passavam a ser interdependentes, como se uma faixa fosse a continuação da anterior, como capítulos de um filme.

Mas voltando ao "Pet Sounds", o episódio mais conhecido de sua supremacia foi o fato de o então beatle Paul McCartney ter todos seus sentidos mexidos após ouvir o disco, tanto que até hoje ele cita a faixa "God Only Knows" como a melhor música já feita na história! Tamanho foi o encanto exercido que, logo após escutá-lo, McCartney correu para o produtor da banda, o maestro George Martin, e pediu-lhe "encarecidamente" para orientar os Beatles na composição de uma obra tão linda quanto aquela preciosidade vinda da Califórnia. Não demorou muito e nasceu assim "The Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band"...




UMA SINFONIA ADOLESCENTE PARA DEUS




Ao ouvir "The Sgt. Peppers...", Brian Wilson sentiu na alma e na carne a mesma sensação que Paul McCartney antes sentira ao ouvir "Pet Sounds". Não deu outra: decidiu que era hora de ir "à forra"! Lançou mão do mesmo time presente em Pet Sounds e da parceria de seu amigo Van Dyke Parks, um músico e poeta fruto da beat generation, e assim iniciou o projeto “Smile”...

Inspirado em Phil Spector e no maestro Esquivel, BW se enfiou de cabeça nos estudos da música contemporânea (minimalismo, serialismo, música aleatória etc) e no fantástico mundo das drogas psicodélicas.

“Smile” foi definido pelo próprio BW, do alto de seu deslumbre lissérgico, como “uma sinfonia adolescente para Deus”. O disco em si já havia sido todo composto e teve inúmeras horas de gravação de estúdio. Todavia, no meio-tempo em que se cunduzia a execução do trabalho, os Beatles já haviam lançado uma seqüência de outros petardos, como o filme "Yellow Submarine", "Magical Mistery Tour" etc. Já com seu cérebro literalmente corroído pelas drogas e por um trabalho que nunca se concluia, BW acabou saindo de órbita e dos Beach Boys também, deixando assim uma obra inacabada.

Tamanha foi a densidade do projeto “Smile”, que os próprios Beach Boys remanescentes cuidaram de "esquartejar" o repertório e montar os 6 discos subseqüentes da banda. O material bem que saiu, mas sem o aval de BW!



ANOS MAIS TARDE...

Chegando os anos 90, após duas décadas e meia de muitas idas e vindas, BW enfim está limpo!

Retomando em 1995 sua parceria com Van Dyke Parks, faz os vocais no modesto porém honesto album “Orange Crate Art”, que segundo muitos fãs, soa como “desfecho” para uma trilogia bizarra iniciada em ’66 com a perfeição absoluta de “Pet Sounds” e permeada pelo caos de um “Smile” inacabado.




SÉCULO XXI




Em 2002, amparado pela banda The Wondermints, BW reproduz ao vivo o clássico Pet Sounds, sob o nome de “Brian Wilson Presents Pet Sounds”, respeitando à risca a ordem das músicas e os arranjos originais!


Na carona desse sucesso e por sugestão dos Wondermints, o projeto “Smile” é retomado em 2003, sob a forma de um show ao vivo. A idéia deu tão certo que o pessoal se reuniu em estúdio para o filtrar todo o material já gravado em '67, estabelcer as devidas emendas e assim concluir de uma vez por todas sua “sinfonia adolescente para Deus”. O time era encabeçado por ninguém menos que o próprio BW e o letrista Van Dyke Parks, com o suporte dos próprios Wondermints, Jeff Foskett (guitarrista de estrada dos Beach Boys) mais uma orquestra de afinação impecável!


O cd “Brian Wilson Presents Smile” finalmente sai em 2004, o que rende a BW um certo reconhecimento tardio, marcado por matérias jornalísticas em todos os veículos possíveis, ótimas vendas, recorde de downloads, várias indicações ao Grammy etc. Justiça essa que o tempo cuidou de fazer...

Dos Beach Boys, os irmãos Dennis e Carl Wilson já não se encontravam mais pelo mundo dos vivos. Nesse interim, enquanto Mike Love, Bruce Johnston e Al Jardine ainda vivem de tournées caça-níqueis, Brian Wilson colhe os louros da glória de ser uma das personalidades mais influentes na história da música pop. Inclusive, há cerca de 2 anos, BW até veio tocar no Brasil, mas é uma pena que não tenha vindo conhecer nosso Pantanal...




Discos recomendados:


Beach Boys: Greatest Hits Vol. 1/ Vol. 2 / Vol. 3 (coletânea) e Pet Sounds (1966)

Brian Wilson: Love And Mercy (1988), Orange Crate Art (1992), Pet Sounds Live (2002), Brian Wilson Presents Smile (2004) e That Old Lucky Sun (2008).



Boneco Comemorativo. PET SOUNDS, 40 anos em 2006


Originalmente publicado
dia 02 de Novembro de 2008
Caderno FOLHA 3
Jornal FOLHA DO ESTADO
Cuiabá - Mato Grosso

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