segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

ANTÔNIO ARNAUD RODRIGUES


Na última quarta feira de cinzas, o humor, a dramaturgia e a mpb, acordaram órfãos de um de seus maiores talentos nos últimos 50 anos: a morte de Arnaud Rodrigues! Foi na noite de terça feira ainda, quando o barco em que ele viajava com a esposa e dois netos, no Tocantins, naufragou. Seus familiares conseguiram ser salvos, mas ele não.

Talvez as lembranças mais comuns venham de "A Praça É Nossa", onde interpretou tipos inesquecíveis como o Cel. Totonho, o Povo Brasileiro e o Chitãoró; e de personagens que, em muitas vezes, roubavam a cena em novelas globais, como o ceguinho Jeremias, o personagem mais visionário de Roque Santeiro (1985), o Mr. Soul, de Partido Alto (1984) e o retirante Soró, de Pão-Pão Beijo-Beijo (1983); Soró, aliás, fez tanto sucesso que reapareceu no filme "Os Tapalhões e O Mágico de Oroz" (1984), cujo reteiro fora escrito pelo próprio.

Nos últimos dez anos, graças as facilidades da internet, sua obra musical ganhou um novo status e uma nova legião de fãs.

No começo da década de 70, Caetano Veloso e Gilberto Gil enfrentavam sérios problemas com a ditadura militar, como a prisão e, consequentemente, um exílio na Inglaterra. Solidários com a situação dos artistas, Arnaud Rodrigues e Chico Anísio firmaram uma forte parceria e encarnaram o grupo Baiano & Os Novos Caetanos, uma espécie de Monkees tropicalista. Arnaud vivia o Paulinho, e Chico, o Baiano. Sua idéia principal era homenagear de modo cômico os principais nomes do Tropicalismo: Os Novos Baianos, Gal Costa, Mutantes, e também Maria Betânia. A dupla lançou hits como “Vô Batê pa Tu” e “Urubu tá com Raiva do Boi”. Letras inteligentes e arranjos que casavam o tradicional da música regional com o pop moderno. Uma profusão de fusões de forrós, modas de viola e afins, recheados com guitarras distorcidas e efeitos psicodélicos, tudo possível graças à visão de Arnaud e aos arranjos de maestros como Nonato Buzar, Waltel Branco, Guto Graça Mello e outras feras mais. Feito a princípio como trilha de programa humorístico, o trabalho rendeu excelentes posições nas paradas de sucesso, já que refletia todo o momento por que passava o Brasil, como as delações, o progresso desenfreado, a crise nos valores humanos, a volta às raízes no campo etc. A empreitada deu certo e logo mais ele lançou "O Som do Paulinho", que seguia o mesmo espírito bucólico psicodélico da dupla e que trazia a lissérgica "Murituri".

Já nos anos 80, foi a vez da tele-dramaturgia e por conseguinte, a volta ao humor.

Lá pelo final dos anos 90, após uma visita ao Tocantins, gostou tanto do lugar que levou a família toda para lá morar. Continuou escrevendo para várias publicações e regularmente aparecia no programa "A Praça É Nossa", mas foi em Tocantins que ele passou a se dedicar a uma outra paixão: o futebol! Tornou-se cartola e ajudou o Palmas a se destacar no Campeonato Brasileiro e a conquistar um tricampeonato estadual.

Hoje, apenas dois discos de Baiano e Os Novos Caetanos são encontrados na forma digital "oficial" (a.k.a. cedê de loja), contudo, todos os demais trabalhos tornaram-se figurinhas fáceis pela internet, o que vale para se conhecer a obra, mas que em nada substitui o peso de um elepê.

Em termos artísticos, sua partida é uma perda tão grande quanto as mortes de Mussum e Zacarias. Antônio Arnaud Rodrigues foi, é e sempre será um mestre à frente de seu tempo e que descanse em paz onde estiver.


Vô batê pá tú
(Chico Anisio e Arnaud Rodrigues)

Falou, é isso aí malandro
Tem que se ligar aí nesse som, tá sabendo...
Eu vou bate pá tú, pá tu bate pá tua patota

Vou batê pá tu bate pá tú
Pá tú batê...

Pá amanhã a pá não me dizer
Que eu não bati pá tú
Pá tú pode batê

O caso é esse
Dizem que falam que não sei o que
Tá pá pintá ou tá pá acontecer
É papo de altas transações

Deduração, um cara louco
Que dançou com tudo
Entregação com dedo de veludo
Com quem não tenho grandes ligações

Vou batê pá tu bate pá tú...

Tá falado, tu tem que se ligar....
É isso aí, falou

Vou batê pá tu bate pá tú...


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Artigo originalmente publicado no Jornal Folha do Estado, Cuiabá-MT, domingo, 21/02/2010.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

O REI do Samba


No samba "Já Te Digo", dos irmãos Pixinguinha e China, ele era descrito como "alto, magro, feio / e desdentado / que fala do mundo inteiro / e vive avacalhado / no Rio de Janeiro". Quando de seu velório, Manuel Bandeira assim escreveu: “A capelinha branca era muito exígua para conter todos quantos queriam bem ao Sinhô, tudo gente simples, malandros, soldados, marinheiros, donas de rende-vous baratos, meretrizes, chauffeurs, todos os sambistas de fama, os pretinhos dos choros dos botequins das ruas Júlio do Carmo e Benedito Hipólito (a zona do meretrício carioca), mulheres dos morros, baianas de tabuleiro, vendedores de modinhas... As flores estão num botequim em frente, prolongamento da câmara-ardente. Bebe-se desbragadamente. Um vai-vem incessante da capela para o botequim”. Já o historiador José Ramos Tinhorão atribui a ele a verdadeira partenidade daquilo que três décadas mais tarde se convencionaria a chamar de "bossa nova", graças à sua forma malandra de conduzir a harmonia no esquema "um banquinho e um violão".
Nascido José Barbosa da Silva, no Rio de Janeiro, dia 18 de setembro de 1888, Sinhô era filho de um conhecido pintor de paredes e fã das rodas de samba e choro. Desde criança teve um contato muito forte com a música. Aprendeu flauta, violão, piano e malandragem também!
Aos 17 anos casou-se com uma jovem portuguesa de sua vizinhança e até os 21 ele já era pai de três filhos. Para sustentar a família, trabalhava como demonstrador de piano em uma loja de instrumentos musicais - a histórica Casa Beethoven - e tocava por tudo quanto era lugar, desde refinados salões da alta sociedade até casas de rendezvous e moquifos afins, e em inúmeras agremiações dançantes, como a famosa Kananga do Japão (que inclusive virou novela no final dos anos 80).
Aos 26 enviuvou, e até o final de sua vida, casou-se por mais três vêzes. Uma de suas esposas chamava-se Cecília e também trabalhava como demonstradora na Casa Beethoven, tendo sido ela a primeira grande divulgadora de sua obra e responsável pelas primeiras transcrições de Sinhô para a forma de partitura.
Frequentador assíduo das rodas de samba da casa da bahiana Tia Ciata, Sinhô está entre aqueles que reclamavam para si a autoria de "Pelo Telefone", primeiro samba gravado da história e apresentado como se fosse da autoria de Donga e Mauro de Almeida. Em resposta, Sinhô compôs o samba "Quem São Eles". Trocas de farpas por todos os lados, desse período também é a marchinha carnavalesca "Tesourinha": "eu tenho uma tesourinha / que corta ouro e marfim / serve também pra cortar / línguas que falam de mim" .
Sinhô também era acusado de ser plagiador, acusação da qual se defendeu dizendo que "samba é igual a passarinho, é de quem pegar". Por conta disso, foi o primeiro artísta brasileiro a realmente se preocupar com direito autoral, pois tomava o cuidado de registrar todas suas composições em cartório e rubricar todos os seus discos.
Em 1921, lançou o samba "Fala Baixo", uma sacanagem com o então presidente Artur Bernardes. Não deu outra, teve que fugir por uns tempos para escapar da polícia. Aliás, mesmo sendo um talento excepcional, Sinhô tinha sérios problemas com a lei, pois além de ser um dedicado pai de família, também era um boêmio enveterado, pois muito do que ganhava acabava indo para suas noitadas, sendo que por muits vezes fugia de cobradores. Promovia muitas e muitas festas pelos inferninhos do Rio e, ainda por cima, na Noite Luso-Brasileira, no Teatro da República, em 1927, foi honrosamente agraciado com o título de Rei do Samba, que perdura até hoje. Sua vida desregrada, aliás, contribuiu em muito para que sua saúde se deteriorasse rapidamente. Em 1930, às vésperas de completar 42 anos, morre vítima de uma hemoptíase decorrente da tuberculose, no meio do caminho da barca que ligava a Ilha do Governador ao Rio de Janeiro.
Suas composições ajudaram a catapultar a carreira de monstros sagrados da mpb, como Carmem Miranda e Francisco Alves, e também tiveram nas vozes de Aracy Cortes e Mário Reis sua maior expressão. Afinal, "Jura" e "Gosto Que Me Enrosco" são apenas um pequeno exemplo de como sua obra continua incólume, mesmo após oito décadas de sua partida.

Por hoje é isso, caríssimos. Um bom carnaval a todos e até a próxima.

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Max Merege, além de roqueiro também vai se acabar na orgia neste carnaval




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Artigo originalmente publicado no Jornal Folha do Estado, Cuiabá-MT, domingo, 14/02/2010.




segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

surfando em Oz com THE ATLANTICS


Todos já estamos cansados de saber que a Austrália é aquele imenso país, que, além de ter quase o mesmo tamanho do Brasil, também goza das mesmas condições climáticas que a nossa terra e, apesar de ser culturalmente ocidental, fisicamente ainda pertence ao oriente. Em termos musicais, também temos uma das mais fortes e produtivas cenas do mundo, extendendo-se do country-folk ancestral de Tex Morton e Slim Dusty até modernidades como Silverchair e The Jet, passando pelo rockabilly de Johnny O'Keefe, o mod dos Easybeats, Missing Links e Bee Gees, o hardrock de AC/DC e Rose Tattoo, o punk do The Saints e Roaring Jack, o romantismo de caras como John-Paul Young e Nick Cave e musas adoráveis como Olivia Newton-John, Nicolle Kidman e Kelly Minogue.
Paraíso dos Surfistas, não é à toa que a terra dos aussies tem uma praia chamada Surfer's Paradise. O problema é que dos anos 70 para cá, muita coisa tem se confundido nas informações que têm nos chegado sobre esse caldeirão cultural, e inúmeras publicações históricas do surf, passaram a apresentar como surf, qualquer tipo de som que fosse australiano. Exemplo disso são bandas como Australian Crawl, Men At Work, Midnight Oil, Gang Gajang etc serem tidas como surf-music só pelo fato de serem australianas. Bem, sem tirar-lhes o mérito, é válido lembrar que já rezava a velha máxima "cada macaco no seu galho", logo, o galho deles é pura e simplesmente a música pop e pronto! Eles são ótimos para o que se propõem a fazer e a coisa pára por aí!
Mas voltando a falar de surf-music, The Atlantics é o exemplo máximo do estilo na terra de Oz!
Começaram em Sidney, em 1961. Seu nome apareceu como uma homenagem a uma famosa marca de combustíveis, já que sempre fizeram rock de alta octanagem.
Bastante influenciados por Shadows, Ventures e nomes locais como The Joy Boys, Jimmy D. , The Telstars, The Midnighters etc, ganharam espaço pela originalidade, pois enquanto os demais se limitavam a copiar os já citados Ventures e Shadows, os Atlantics compunham suas próprias canções, uma vez que todos os integrantes já carregavam consigo toda uma bagagem cultural que lhes dava subsídios para a criação de peças absolutamente inovadoras, pois eram imigrantes que vieram muito pequenos para a Austrália, oriundos das mais diversas culturas do mundo. Isto lhes rendeu uma atenção muito especial por parte do pessoal da CBS australiana. Gravaram vários LPs e alguns muitos singles e EPs pela gravadora. Flertaram com a psicodelia e com o garage-punk. Em 1967 criaram o primeiro selo independente da Austrália, o Ramrod, e nos anos 70 fomentaram o aussie folk rock, sem nunca terem de fato se desviado de seu caminho.
Nos anos 70 e 80 mantiveram-se como sócios em vários negócios, mas só na década de 90 é que vieram a ressuscitar a banda, estando desde então na ativa até hoje!
Apesar de serem donos de inúmeros clássicos do surf-instro, seu maior hit ainda é "Bombora", e também, graças ao boom do gênero a partir de 1994, consquistaram um status muito maior e o respeito universal, há muito almejado.
Por hoje é isso, caríssimos. Semana que vem tem mais.

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Originalmente publicado no Caderno Folha 3, jornal Folha do Estado, 7 de fevereiro de 2010, Cuiabá-MT.

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