quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

SURF CITY, HERE WE GO...

SURFANDO NA ARQUEOLOGIA FONOGRÁFICA


Anúncio da Fender


Uma das coisas mais interessantes que aconteceram na era do Cd, foi a quantidade de coletâneas a que tivemos acesso. Algumas boas, outras ótimas (raras, na maior parte das vezes) e outras tantas mais, pura picaretagem caça-níqueis.

Nesse ensejo, a cultura do box-set gfanhou certa notoriedade, pois tratam-se de caixas - geralmente temáticas - com vários cds e que vieram muito bem a calhar para aqueles que estavam afim de conhecer determinadas sonoridades, estilos ou artístas por fases, sem que para isso fosse preciso juntar obras completas, o que aliás, podia muito bem esperar.

Como estamos em pleno verão, vale darmos um destaque especial para uma dessas coletâneas em forma de box-set: a "Cowabunga! The Surf Box" (Rhino, 1996 ); a melhor compilação do que se produziu em matéria de surf music nos EUA entre os anos de 1961 e 1967, nos 3 primeiros discos, e um 4° disco com o estilo “turbinado” pelo punk/pós-punk entre 1976 e 1996.


Cowabunga Surf Box



UM BRINDE AO VERÃO


Aos desavisados, surf-music não quer dizer necessariamente "música de surfistas, tocada por surfistas e que só pode ser curtida onde houver praia", mas sim, uma sonoridade feita sob medida para qualquer verão (e olha que em Cuiabá, o que não falta é verão!).

Seguramente, a surf-music pode ser considerada como o primeiro grande "boom" do rock instrumental, haja vista que o rock instrumental, propriamente, já existia desde quando rock era rock, mas com a diferença de o instrumento principal ser o sax, sendo que com o surgimento da surf-music, o sax acabou cedendo o seu lugar à guitarra elétrica e ao tímbre “aquático” do reverb.


Dick Dale



Deflagrada por Dick Dale em 1961, com sua gravação de "Let's go Trippin'", a nova sonoridade serviu de influência para muita gente de peso, como por exemplo, toda uma geração de bandas instrumentais surgidas pela California e pelo mundo, bem como o lenderário Jimmy Hendrix. Aliás, Dick Dale foi o primeiro grande "endorser" (algo entre “garoto propaganda” e “piloto de testes”) da Fender, tanto que nas décadas de 60 e 70 ajudou a desenvolver guitarras e amplificadores para, a princípio, suportarem sua pegada cavalar.



SENTIDO UNIVERSAL


os ingleses The Shadows:

influência de 9 entre 10 bandas de surf music


De encontro ao que reza a grande mídia de massa, desde seu início, o estilo mostrou que veio para ficar, já que o seu legado tem se perpetuado através dos anos, não por meio de músicos revivalistas, mas por artistas das mais diversas correntes, sendo que a surf music também pode ser considerada uma das primeiras grandes manifestações daquilo que um dia haveríamos de chamar de "world music" ou de "fusion" em sua forma mais pura, milênios luz às desnecessárias prolixidades técnicas que hoje infestam e deturpam a música instrumental moderna.

Anos antes d'os hippies adotarem a cítara indiana, o pessoal da surf-music já fazia suas experimentações com elementos de música árabe, judaica, flamenca, eslava, oriental etc. Isso, sem falar na inconteste influência do jazz e da música erudita, nítida em muitos discos "temáticos" dos Ventures e do japones Takeshi Terauchi, com inúmeras releituras para clássicos de sempre.

Graças à surf-music, um novo universo de influências se abriu no rock'n'roll. Por exemplo: os Beach Boys que, graças à mente visionária de Brian Wilson (um costumaz frequntador desta coluna), transcenderam as fronteiras de uma sonoridade que até então tinha seus limites. Gravaram inúmeros clássicos que conjugavam harmonias vocais de "doowop" à pureza das guitarras Fender enxarcadas no reverb de amplificadores valvulados. Dentre os Beach Boys, apenas o baterista Dennis Wilson pegava onda. Eram ótimos músicos, sim. Mas apenas ao vivo! No estúdio, se encarregavam somente de fazer os vocais, pois os intrumentais eram (quase sempre) brilhantemente executados pelos melhores músicos de estúdio da época, como Glenn Campbel (guitarra), Carol Kaye (baixo) e Hal Blaine (bateria). Aliás, tais músicos se fazem presentes em quase todas as faixas dos 3 primeiros cedês do supracitado box-set “Cowabunga”!


Beach Boys



Embora a caixa tenha sido idealizada e compilada ao longo de muitos anos, pelo pesquisador Phil Dirt, o projeto só veio mesmo à tona graças ao sucesso do filme Pulp Fiction, de Quentin Tarantino, em 1994, cuja trilha sonora consistia, em sua maior parte, de petardos da surf-music e do rock intrumental (Dick Dale, Lively Ones, Link Wray, The Revels, The Tornados etc).



Além de Dick Dale, a caixa também conta com muita coisa de Ventures (o primeiro grande nome de Seattle!), Bell-Airs, Beach Boys, Lively Ones, Trashmen, e de mais uma leva de pesos pesados do estilo.


The Ventures: ... e assim

começou o rock de Seattle...



BRASIL


Jordans, pioneiros da surf music no Brasil


O estilo apareceu no Brasil de maneira discreta, ainda no tempos da jovem-guarda.

Era comum em toda cidade haver algum “conjunto” que tocasse músicas dos Ventures, dos Shadows ou até mesmo “O Milionário” para animar bailinhos e matinés.

Apesar de jamais terem adotado o “rótulo” surf-music, inúmeras bandas gravaram LPs e compactos no estilo. Exemplos não faltam: The Jordans, The Jet Blacks, Os Incríveis, The Angels, The Pops, Renato & Seus Blue Caps, The Fevers etc. Inclusive os cuiabanos do Jacildo & Seus Rapazes gravaram “Tarzan, Rei dos Macacos” nos idos de 1966.


The Jet Blacks


Reza uma lenda que até mesmo o próprio rei Roberto Carlos tinha por exigência básica aos músicos que fossem acompanhá-lo, que estes ao menos conhecessem The Ventures e The Shadows. O resultado pode ser ouvido nos discos "É Proibido Fumar" (1964), "RC Canta Para A Juventude" (1965) e "Eu Te Darei o Céu" (1966).


O Rei Roberto Carlos foi o cara que mais apostou

em músicos do estilo para acompanhá-lo



BELO HORIZONTE

Muito tempo se passou e o Brasil se tornou um polo importante na produção de surf-music, pois desde a metade dos anos 90, inúmeras bandas têm surgido por toda parte e resgatado em seus repertórios muitas dessas pérolas que amargaram anos de solidão em meio aos sebos das grandes cidades.

Belo Horizonte, apesar de não ter mar, com orgulho vem carregando nos últimos 12 anos o status de ser a capital brasileira da surf music, título carinhosamente dado por Dick Dale quando de suas apresentações por lá, em meados de 1997. Tanto é que, em seu disco de ’98, Dale corroborou sua homenagem ao intitular uma de suas faixas com o nome de “Belo Horizonte”.

Tão forte é seu status que anualmente a cidade cedia o “Primeiro Campeonato Mineiro de Surfe”, que em 2009 vai para sua 9ª edição, reunindo bandas de toda a América Latina e do mundo também.


Gui, Claudão & Lino: Estrume'N'Tal é a banda que encabeça o

PRIMEIRO CAMPEONATO MINEIRO DE SURFE


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Max Merege é o maior surfista sonoro de Cuiabá.

Efeito STOOGES

Outro ano sem nada pra fazer...
é 1969, beibe!


Em 2009 comemora-se os 40 anos de um disco que literalmente mudou os rumos da história do rock!
Trata-se do feito da banda The Stooges e de seu autointitulado álbum de estréia.
Por entre as cidades de Detroit e Ann Arbor, nos EUA, em 1967, nascia uma banda de de um bando de malucos, que a princípio se propunham a tocar rock psicodélico na linha do "flower power", mas como não levavam o mínimo jeito com essa história de se tornar bicho-grilo, viver em comunidades e comer arroz integral, acabaram, por sua vez, se tornando uma das forças mais descomunais do rock até então.
O nome The Stooges era uma homenagem ao velho seriado The Three Stooges (os Três Patetas, algo muito semelhante aos famigerados Trapalhões). Segundo Ray Manzarek, tecladista da banda The Doors: "se os Três Patetas têm uma versão roqueira, essa versão só pode ser os Stooges!"
O que não seria nenhum exagero comparar, já que tanto o grupo humorístico quanto a banda de rock tinham pressa em passar seu recado, e não interessava o resto. Os Stooges não surgiram para serem "engraçadinhos", mas a exemplo do trio, exploravam situações de suas vidas e tabús sociais de modo grotesco e despudorado, já que principalmente os EUA viviam então momentos extremos, como a ida do homem à lua, a Guerra do Vietnã, a ascensão de movimentos sociais (Panteras Negras foi um deles), hippies etc.
A banda era formada por James "Iggy Pop" Osterberg (vocais), os irmãos Ron e Scott Asheton (guitarra e bateria, respectivamente) e o colega de escola Dave Alexander (baixo). Com essa formação gravaram 2 álbuns históricos: o já supracitado The Stooges (1969) e Funhouse (1970).
Tão logo fizeram seu segundo disco, o baixista Dave Alexander deixou a banda, que se dissolveu pela primeira vez.
Em 1972, um grande fã deles, o inglês David Bowie, conseguiu um esquema para Iggy Pop ir gravar um disco na inglaterra. Como os músicos de lá não davam conta do recado, os Stooges se reuniram para gravar o clássico "Raw Power".

com David Bowie nos teclados


Na sua época, seus discos figuraram entre os maiores fiascos em termos de vendas, já que a iconoclastia daqueles meninos não podia dividir espaço com uma cultura que - tanto de um lado quanto de outro - buscava impingir goela abaixo em uma sociade incauta e alienada, ideais de uma esperança artificialmente forjada. Afinal, nada do que fizessem seria o bastante para aquele tedioso mundo.

Poder crú tem um filho chamado rock'n'roll!

O preço pago por seu não-reconhecimento foi alto. Afogaram-se numa vida desregrada, pautada em extremos, e pela primeira vez sentiram a foice da morte passar rente às suas cabeças...

Fato é que algum tempo depois de lançarem último disco e de dissolverem a banda, um novo estilo de rock contestatório nascia, sob fortíssima inspiração de seus discos, e desta vez, algo "comercialmente viável": o Punk.
Fãs dos Stooges não paravam de aparecer mundo afora! Em Nova Iorque surgiam os Ramones (que os copiavam até no visual); na Inglaterra, The Damned e Sex Pistols gravavam suas músicas; e na longínqua Austrália, eram sagradamente "coverizados" por The Saints e Radio Birdman.
Contudo, não havia mais o mínimo clima para voltarem. Assim, cada um seguiu seu caminho ...


O RETORNO

Scott Asheton, Iggy Pop, Ron Asheton,
Steve Mackay e Mike Watt (sentado)

No ano de 2003, passados 30 anos da gravação de seu último disco, eis que os Stooges voltam a tocar.
Sua primeira reaparição fonográfica se dá no cd "Skull Ring", de Iggy Pop. A idéia dá tão certo que de pronto eles passam a fazer tounées. A formação era o mais próximo possível da original, exceto pela ausência do baixista Dave Alexander, morto pelo diabetes em 1975, sendo que para a função foi recrutado o experiente Mike Watt. Tocaram em inúmeros países e festivais, tendo vindo, inclusive tocar no Brasil, em 2005!
Talvez sua maior surpresa tenha sido o fato de lotarem estádios e se depararem com platéias formadas, em 90%, por gente que sequer sonhava em nascer nos tempos em que eles bagunçavam o coreto.

o velho Iggy com seu fã James Hetfield

Certamente conseguiram um público mais forte e numeroso que o das inúmeras reuniões do Black Sabbath, afinal, fãs não faltam, já que isso podemos sentir desde a clássica regravação de Joey Ramone para "1969" até a versão pândega do Capital Inicial para "The Passenger" (O Passageiro), da carreirassolo de Iggy, passando pelos Red Hot Chilli Pepers com "Search & Destroy" e pelos Guns'n'Roses com "Raw Power", só para citar alguns de seus ilustres fãs.
Para ainda este ano, cogita-se o lançamento de um filme biográfico sobre os Stooges, no qual Elijah Wood (o Frodo, do Senhor dos Anéis) está cotado para fazer o papel de Iggy Pop. É esperar para ver....


INFORTÚNIO

Ron Asheton (*17.07.48 - 06.01.09+)

Escrever sobre os Stooges já era algo há muito pensado (desde o nascimento desta coluna). Entretanto, um triste acontecimento acelerou as coisas.
No dia 6 de Janeiro de 2009, o guitarrista Ron Asheton foi encontrado morto em sua casa, aos 60 anos, por causas naturais.
Seu secretário pessoal estranhou o desaparecimento, e por conta disso acionou a polícia. Os policiais foram até seu apartamento, arrombaram a porta e o encontraram morto. seu corpo jazia sentado em uma poltrona. Sofrera um enfarto fulminante havia alguns dias.

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Max Merege dedica a coluna de hoje a Ron Asheton, um ícone do rock'n'roll cuja obra jamais envelhecerá.
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11 de Janeiro de 2009
Coluna ENROLANDO O ROCK / Caderno FOLHA 3
Jornal FOLHA DO ESTADO
Cuiaba - Mato Grosso