segunda-feira, 29 de junho de 2009

SKY SAXON TAMBÉM MORREU!


Na última quinta feira o mundo encarou perplexo a morte de Michael Jackson e da eterna Pantera, Farrah Fawcett.
Logo, como todos têm falado de Michael Jackson (e vão continuar falando pelos próximos seis meses, pelo menos), poderíamos comentar sobre a Farrah Fawcett, que mostrou-se incrivelmente forte na alma ao encarar e brigar contra um câncer que, infelizmente, acabou levando a melhor nessa parada; mas vamos falar de um velho hippie que se foi exatmente no mesmo dia e que o mainstream fez questão de ignorar: Sky Sunlight Saxon, líder do seminal grupo The Seeds.


Tal qual o Dr. Timoty Leary, Sky Saxon, que se foi aos 63(?) anos, notabilizou-se como um dos maiores entusiatas do "flower power". Afinal, como todos sabemos (desde criancinha) é que os versos que Geraldo Vandré proferia em "Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores" ("... Pelas ruas marchando / Indecisos cordões / Ainda fazem da flor / Seu mais forte refrão / E acreditam nas flores / Vencendo o canhão...") exprimiam com clareza o ideário do "poder da flor", devidamente adequado aos anos de chumbo da ditadura militar, ao passo que nos EUA o alvo era a guerra do Vietnã, que mandava milhares de jovens para levar tiros no outro lado do mundo.


Embora mais lembrado por clássicos como "I Can't Seem To Make You Mine", "Pushin' Too Hard" (que no Brasil tornou-se "Vou Lhe contar", com Wanderlea), "No Escape", "Mr Farmer" entre outros mais, Sky Saxon foi um sujeito extremamente político, sem soar partidário, panfletário ou burocrático, mas sim, por compor músicas acerca da arte de se tomar decisões, descrevendo com clareza a condição humana adequada ao seu tempo e espaço e que, aliás, conservam-se atuais até hoje, quatro décadas mais tarde.

Eis aqui um fragmento traduzido da letra original de "Pushing Too Hard":

"Você está forçando a barra, forçando pro meu lado
Você está forçando a barra com o que você quer que eu seja
Você está forçando a barra quanto às coisas que você diz
Você está forçando a barra toda noite e dia
Você está forçando a barra, forçando a barra comigo ...
tudo o que eu quero é apenas ser livre
e viver minha vida do jeito que eu quiser
Tudo o que eu quero é apenas me divertir
e viver minha vida do jeito como começou
Mas você está forçando a barra
forçando a barra comigo (forçando demais)"


com Billy Corgan

Apesar de não ser laureado por grandes publicações, Sky Saxon atravessou as décadas como uma figura cultuada pelo underground e por figurões do mainstream: David Byrne era seu fã confesso, Patti Smith tocava "Pushin' Too Hard" em seus shows, tanto os Ramones quanto Garbage regravaram "I Can't Seem To Make You Mine", tanto Kurdt Cobain quanto Billy Corgan foram discípulos seus (Sky Saxon inclusive faz uma pontinha no clipe "Superchrist" do Smashing Pumpkins).


Dos Seeds, apenas ele se mantinha como único remanescente, mesmo com inúmeros nomes para seus projetos sonoros, mas com o mesmo repertório e a mesma atitude. Foram mais de 40 discos e um box de 13 cds de música tribal psicodélica que ele fez em seus tempos de comunidade YaHoWha.

Aos que quiserem conhecer mais sobre esse sujeito, visitem seu site oficial (em inglês): http://www.skysaxon.com/Discography.html

Um abraço a todos e até a próxima (sem obituários, espera-se).

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Artigo originalmente publicado no Jornal Folha do Estado, Cuiabá-MT, domingo, 29/06/2009.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

THE VENTURES, OS PATRIARCAS DO ROCK DE SEATTLE

Bob Bogle

Domingo passado, dia 14 de junho, tanto o rock como o mundo da música pop sofreram uma perda irreparável: Bob Bogle, guitarrista e baixista, fundador da banda The Ventures, morreu vítima de um câncer linfático.
Além de seus 75 anos - muito bem vividos, por sinal - contava com uma estrada invejável a todos aqueles que seguem ou desejam um dia seguir na carreira musical.
Mas por que irreparável?!
Foi Bob Bogle, junto com seu parceiro Don Wilson, que arquitetaram um dos grupos mais influentes da história do rock, já que inúmeros nomes do rock citam os Ventures como influência, pois junto com os ingleses The Shadows e o californiano Dick Dale, foram eles os edificadores da cultura do rock instrumental (verdadeiro).



Patriarcas de Seattle

Outro detalhe interessante é que graças a eles, Seattle se tornou um importnte polo no mapa do rock, pois exerceram influência mais que direta sobre bandas como The Sonics e The Fabulous Wailers (principais expoentes da primeira geração grunge, da década de 60) e, é claro, Jimi Hendrix.
Por volta de 1958, na cidade de Tacoma (uma espécie de Várzea Grande de seattle), a dupla Bogle & Wilson chamou chamo os amigos Nokie Edwards e Skip Moore para gravarem o single "Walk Don't Run". Mas como nenhuma gravadora se interessava, criaram o próprio selo: Blue Horizon.
Pat O'Day, um famoso disck-jockey de Seattle, recebera algumas cópias do single. Nisso, a música de Chet Atkins na interpretação dos Ventures, passou a ser o tema de seu noticiário. daí para a fama foi um pulo... Conseguiram um bom esquema de distribuição nacional e, logo em seguida, o topo das paradas da Billboard, na segunda metade de 1960.
Skip Moore já não tocava mais bateria na banda. Logo, para seu lugar entrou Howie Johnson, mas por conta de um acidente automobilístico que lhe causara sérios danos na espinha, viu-se obrigado, por odens médicas a deixar a banda.




Formação clássica e influência universal

Quatro Ventures e Uma Gueixa

Para preencher a vaga de Howie Johnson, entra Mel Taylor, um músico de formação jazzística, que deu à banda o pique com que ficaram conhecidos. Assim sendo, a formação que sacramentou os Ventures foi: Nokie Edwards & Don Wilson nas guitarras, Bob Bogle no baixo e Mel Taylor na bateria.
Foram a primeira banda de rock ocidental a se apresentar no Japão. Logo, tiveram um papel importantíssimo na formação do pop nipônico, pois diversos cantores de "enka" (musíca tradicional japonesa) passariam a adotar a guitarra elétrica em seus acompanhamentos.
Assim como o Brasil contava com programas do estilo Jovem Guarda, o Japão também tinha inúmeros programas televisivos nos quais sempre rolavam concursos de guitarra (sim, graças aos Ventures o Japão agarrou a guitarra elétrica com unhas e dentes! ) em que o mote principal era a interpretação/releitura de sucessos dos Ventures.
Apesar de nunca terem vindo tocar no Brasil, os Ventures também tiveram uma influência estrondosa sobre a jovem guarda, pois muito de sua parte instrumental, deve-se a essa banda. O exemplo mais forte é o d'Os Incríveis que, sob o nome The Clevers, começaram sua carreira como "clones" dos Ventures e também, no esteio de seu sucesso, foram a segunda banda de rock ocidental a se apresentar no Japão, o que garintiu à MPB uma excelente colocação na preferência do exigente (e por vezes frio) público nipônico, mas isso já é assunto para uma outra ocasião.


Período morno

Em 1968, o guitarrista Nokie Edwards cansa-se da estrada, sai dos Ventures e resolve dar novos à sua vida. O competente Gerry McGee assume o seu lugar. No decorrer dos 70's, Edwards volta algumas vêzes mas não como membro fixo. Os Ventures gravam muita coisa e continuam tocando pelo mundo, principalmente pela Europa e Japão.


Resgate

No começo da década de 80, são redescobertos pelo pessoal do punk rock e da new wave. Ganham o status de banda cult e seus discos passam a figurar entre os preferidos de gente como Poison Ivy (The Cramps), Johnny Ramone (Ramones), Chris Stein (Blondie), Ricky Wilson (The B-52's), Roger Fisher (Heart), Elliot Easton (The Cars), Andy summers (The Police) e muitos outros mais. Isso sem falar que os nomes de caras como Jeff Baxter (The Doobie Brothers) e Gene Simmons (Kiss) constam entre os primeiros inscritos no Fã clube Oficial da banda.
Na década de 90, sua música deu uma revigorada quando Quentin Tarantino usou a clássica "Surf Rider" (tocada pelos Lively Ones) na trilha sonora de sua famigerada obra, "Pulp fiction", junto a outros medalhões do surf-instro, dando um belo desfecho ao diálogo de Vincent Vega (John Travolta) e Jules Winnfield (Samuel L. Jackson) no final do filme.

Slash fazendo reverência ao mestre Nokie Edwards



Curiosidades:


The Ventures, em seus 50 anos de carreira, é a única banda da história que nunca "furou" uma data sequer.

O Japão só passou a fabricar guitarras depois que os Ventures passaram por lá, o que alavancou a fabricação de instrumentos musicais eletro-eletrônicos por lá. O resto é história...

Por enquanto é isso. Fiquem ao som dos Ventures tocando "Walk don't Run", "Hawaii 5-0", "Surf Rider", "Telstar" e "Drivin' Guitars".

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Max Merege, além de pesquisador do rock também adora passar os dias com Ventures nos ouvidos.

MAX MEREGE APRESENTA: REVOLVENDO WALTER FRANCO




por Rubens Leme da Costa


Um dos mais renomados, vanguardistas e geniais compositores brasileiros da década de 70, Walter Franco é um dos nomes mais importantes da música brasileira e um dos primeiros a fazer música concreta no país. Contestador, deixou quatro grandes discos nos anos 70, antes de entrar em uma reclusão e ser recuperado no ano 2000, com um documentário e no ano seguinte, com um novo disco. Desde então, Walter tem se apresentado e mostrado seu talento pelo país. Um enorme talento que merece uma homenagem humilde, mas sempre reverente.

...

Poucas pessoas sabem quem é Walter Franco, algo bem normal em um país que desconhece os artistas com mais de 10 anos de carreira ou quem busca um caminho totalmente pessoal e não se prende às armadilhas da indústria musical.

Mas esse paulista, nascido em 6 de janeiro de 1945, foi um dos principais expoentes da música brasileira dos anos 70, ao lado de Jards Macalé, Itamar Assumpção, e por que não, Arnaldo Baptista.

Desde jovem, Walter mostrou tendências artísticas e por isso resolveu estudar teatro, onde compunha trilhas para algumas peças, além de se apresentar em festivais na virada dos anos 60 para os 70. Conseguiu alguma projeção quando Geraldo Vandré defendeu sua canção "Não se Queima um Sonho", entre outras.

Porém, seu primeiro momento solo aconteceu em 1972, no Festival Internacional da Canção, da Rede Globo, quando tocou "Cabeça". A confusão começou quando o júri formado por Nara Leão, Roberto Freire, Rogério Duprat, Júlio Medaglia e Décio Pignatari, resolveu premiar aquela música estranha, experimental, com poesia cortada, com o primeiro lugar, apesar das vaias da platéia.

Se a platéia odiou, o que dirá a conservadora emissora, nos anos de chumbo da ditadura. O resultado é que o júri foi demitido. Mas o momento de tensão ficou ainda maior quando Roberto Freire foi ao palco e denunciou toda a armação, junto com o grupo Pholhas. Acabou sendo preso por isso.

Walter já tinha chamado atenção suficiente para conseguir um contrato e em 1972 assinou com a Continental. O produtor escolhido para a empreitada seria o radialista Walter Silva, o Pica-Pau, mas ele resolveu chamar o amigo Rogério Duprat, para a missão, por não entender muito as idéias de seu xará.

Com total liberdade no estúdio, o apoio de Duprat, e a melhor tecnologia disponível na época, Walter estréia com o clássico disco "Ou Não" (também conhecido como "Disco da Mosca" ou "Disco Branco"). A capa trazia apenas uma mosca ao centro de um capa branca e apenas o título na contra-capa.

"Ou Não" foi um lançamento revolucionário. Walter utilizava técnicas incomuns, como a poesia concreta, repetições de fragmentos de letras e arranjos extremamente elaborados. Não são poucos os que consideram como a melhor estréia de um artista brasileiro.

No ano seguinte, Walter saiu com o show "A Sagrada Desordem do Espírito" onde se apresentava sozinho, com um violão e em posição de lótus. Seu único companheiro era a mesa de mixagem comandada por Peninha Schmidt e que era usada como uma orquestra, dando liberdade para Walter criar em cima do palco.

Em 1975, Walter participa do Festival Abertura, com a música "Muito Tudo", ao lado de amigos, como Jards Macalé.

A música é uma homenagem a alguns ídolos, casos de João Gilberto e John Lennon. Os arranjos ficaram com o maestro Júlio Medaglia. E, para variar, Walter foi duramente vaiado pela platéia, apesar do terceiro lugar obtido.

Walter conseguiu mais uma polêmica quando ele, o flautista Tony Osanah e Medaglia subiram ao palco para apresentar a canção. Sob vaias intensas, e sem ter como se apresentarem, os três começaram a jogar um estranho jogo de dados, até que Medaglia rasgou a partitura e a atirou no público.

Mas nada disso seria páreo para o novo trabalho de Walter. Gravado em outubro de 1975 e lançado no ano seguinte, Revolver mostrava um Walter totalmente diferente. Antes de mais nada, o nome do disco é tirado do verbo "revolver" e não uma tradução do disco dos Beatles lançado em 1966 (até porque em português seria Revólver).

Contudo, há uma enorme influência de John Lennon na obra. Primeiro, porque Walter se veste de terno branco, como Lennon na capa de Abbey Road e em diagonal. Segundo, porque a sonoridade está mais perto do rock, com guitarras, e principalmente da sonoridade do ex-Beatle com sua Plastic Ono Band.

O álbum é uma pérola do começo ao fim, abrindo com "Feito Gente", um rock enérgico, conciso e com versos maravilhosos: "feito gente / feito fase / eu te amei / como pude / fui inteiro / fui metade / eu te amei / como pude... fui a vela / fui o vento / eu te amei / como pude / a partida / fui a volta...". Outros momentos inesquecíveis são a vinheta de sete segundos "Apesar de tudo é muito leve", a linda "Cachorro Babucho". Um dos discos mais importantes da nossa música, seja rock ou MPB, com Walter mostrando-se mais inspirado do que nunca e buscando novos horizontes.

Walter só voltaria a lançar um novo disco em 1978. O resultado seria outra obra-prima: Respire Fundo, que levou oito meses de gestação e mais de 200 músicos envolvidos.

O disco traz grandes clássicos, casos da faixa-título e de "Coração Tranqüilo", com o belíssimo verso "Tudo é uma questão de manter / a mente quieta / a espinha ereta / e o coração tranqüilo", explicitando a influência da filosofia oriental em sua vida e obra.

No ano seguinte, Walter lança outra obra fundamental, Vela Aberta. O disco trazia a controversa canção "Canalha", que rendeu a ele, novamente, vaias quando foi defendida no Festival da Tupy. Berrada, gritada, Walter recebeu enormes vaias e defendeu sua obra, dizendo que não estava chamando ninguém de canalha e apenas falando de uma dor canalha, que é a dor da existência de todo ser humano.

Outro grande momento é a faixa título, composta com seu pai, Cid Franco, que escreveu a letra.

Em 1981, ele ainda participou do festival, MPB-Shell, com a música "Serra do Luar", grande sucesso posteriormente na voz de Leila Pinheiro. No ano seguinte, lança um último disco antes da reclusão, apenas com seu nome, pela pequena gravadora Lança.

Após o disco, Walter desapareceu da mídia, fazendo poucos e esparsos shows. Sua voz só foi ouvida novamente, quando em 2000, foi realizado o documentário Walter Franco Muito Tudo, de 25 minutos e rodado em 16 mm, e com depoimentos do poeta Augusto de Campos (um de seus grandes fãs e amigo), que traduziu o poema "Um Lance de Dados", de Mallarmè, além de entrevistas com Rogério Duprat, Júlio Medaglia, Jorge Mautner, Nelson Jacobina, Jards Macalé, Lívio Tragtenberg, Leila Pinheiro e Itamar Assumpção.

Em 2001, Walter voltou aos estúdios e lançou Tutano, seu último disco pela pequena yesbrazil? e posteriormente pela Trama e com participações especiais, como a de Arnaldo Antunes.

Ele ainda continua dando seus shows, sendo reverenciado pelos novos músicos e por gente que não o conhecia, mas que acabaram virando novos fãs.

Justamente em 2001, seus dois primeiros discos foram relançados na série "Clássicos da MPB - Série Dois Momentos", com a edição produzida pelo baterista dos Titãs, Charles Gavin.

Eis a letra de "Revolver" e a discografia completa.

Lembrar de esquecer
esquecer de lembrar
cansar de dormir
dormir descansar
sorrir de doer
doer de sangrar
sangrar de morrer
morrer de lembrar
lembrar de esquecer
esquecer de lembrar
cansar de dormir
dormir descansar...

Discografia

Ou Não (1973)
Revolver (1975)
Respire Fundo (1978)
Vela Aberta (1979)
Walter Franco (1982)
Tutano (2001)

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Max Merege, pesquisador cuiabano trintão, que nasceu ouvindo Walter Franco. Rubens Leme da Costa é um profundo conhecedor sonoro que mantém o site MOPHO . Conheça também a página da BEATRIX.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

SKA! SKA! SKA! JAMAICAN SKA ...

The Skatalites, BANDA MÃE do reggae,
nos áureos tempos do STUDIO ONE



Tudo o que talvez venhamos a saber sobre as origens do reggae ainda será pouco, principalmente se tentarmos entender a cena jamaicana a partir da segunda metade do século XX.
Basta lembrar que a Jamaica fica nas Antilhas, junto a Cuba, Haití, República Dominicana, pertinho de Trindade e que de lá para a Flórida é um pulo. Logo, muito do que se ouvia de transmissões radiofônicas por aquela região, vinha direto dos EUA.
Pois bem, o que aconteceu é que como a Jamaica (tal qual todo o Caribe) já era há tempos possuidora de uma vasta musicalidade, a começar por rítmos locais como o mento e o calipso (favor não confundir com a famosa banda paraense! esse é de Trindad-Tobago), também contava influências advindas dos vizinhos como mambo, rumba, salsa, merengue, cumbia, voodoo etc.
As transmissões de rádio traziam muito do que havia no EUA em matéria de blues, jazz, soul, r'n'b, gospel, folk e, é claro, o bom e velho rock'n'roll. Assim sendo, tornou-se uma febre pela ilha (re)interpretar clássicos da música negra norte america, turbinados com um bom tempero caribenho...
Nascia também por lá uma indústria fonográfica, cujo principal nome foi o de Coxsone Dodd à frente de seu Studio One.
Em resumo, a coisa começou com um rítimo pulsante e agitado chamado Ska. Em seguida, ganhou um aparato mais técnico e muitas baladas, assumindo o status de Rocksteady, que tornou-se mais lento e reflexivo (por vezes, até demais) sob o nome de Reggae.
A partir de 1963 o Studio One passou a lançar muita gente boa e criou uma verdadeira indústria fonográfica na região. Exemplos de artístas não faltam: Toots Hibbert & The Maytals, Bob Marley, Peter Tosh, Bunny Wailler, Prince Buster, Laurell Aitken, Jimmy Cliff, Delroy Wilson, Desmond Dekker, Gregory Isaacs, Alton Ellis, Ken Booth e muita, muita gente mesmo!
Agora o interessante é ver que se não fosse o suporte de uma "mini orchestra" local chamada The Skatalites, a coisa seria bem mais morna e não causaria o impacto que causou e causa até hoje (Amy Winehouse que o diga...).
É fato, não fossem os Skatalites, nenhum desses nomes teria alcançado a projeção que os alçou ao sucesso estrondoso e à categoria de clássicos da música negra. Afinal, além de levarem uma bela carreira com seu trabalho próprio de big band, também foram, dentro do Studio One, a "banda da casa".
Bob Marley, entre Bunny Wailer e Peter Tosh -
da época em que seus discos eram feitos pelos Skatalites.

Durante essas 5 décadas em atividade, a banda sofreu uma série de revezes como o passamento de grande parte de seus membros originais: Don Drummond (trumpete, 1969), Jackie Opel (crooner, 1970), Jackie Mittoo (piano e órgão, 1990), Rolando Alphonso (sax, 1998), Jah Jerry Haynes (guitarrista, 2007) e Johnny Moore (trumpete, 2008), isso sem falar em colaboradores como Bob Marley, Peter Tosh, Laurel Aitken e tantos outros... Ufa! Desse jeito o céu acaba tendo pouca nuvem para tanta fumaça...


Dom Drummond


Das inúmeras idas e vindas, os Skatalites, apesar de tudo, e tal qual o famigerado Buena Vista Social Clube, mantiveram-se fiéis às suas raízes e às suas convicções artísticas. Ganharam Grammys entre 96 e 98. Têm corrido o mundo em tours que parecem intermináveis e pelo jeito já adotaram o Brasil também.


Atual formação dos SKATALITES

Hoje a trupe conta com um excelente time de músicos, sob a batuta de veteranos como o baterista Lloyd Knibbs, o saxofonista Lester Sterling e a crooner Doreen Shaffer. Até há pouco tempo, o baixista Lloyd Brevet ainda pegava a estrada com a trupe, entretanto, preferiu se aposentar e curtir seus últimos dias sob o sol do Caribe. Sabe-se apenas que morreu há pouco.
Neste exato momento eles estão em tournée pelo Brasil, com shows por São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Porto Alegre. Ontem mesmo eles tocaram em Brasília, e foi um show maravilhoso!

A quem quiser conhecer mais, não apenas sobre os SKATALITES, mas sobre as pérolas sonoras da Jamaica, recomendamos que conheçam um blog recheado de raridades e - o melhor - abalizado pelos SKATALITES em pessoa! Chama-se YOU & ME ON A JAMBOREE: http://youandmeonajamboree.blogspot.com

Um agradecimento mais que especial ao Sr. Tony Guardieiro que, além de ter trazido os SKATALITES para o centro-oeste e possibilitado essa experiência inesquecível, também viabilizou nosso acesso ao evento e aos músicos.

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Max Merege é pesquisador cuiabano, colaborador do Folha 3, fã de música jamaicana e que ainda está extasiado com o show dos Skatalites na Capital da República.

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Publicado no caderno Folha 3, Jornal Folha do Estado (Cuiaba/MT) - 07/Junho/2009



Lester Sterling DETONA !!!!!!!!!
(Entre Max Merege e Miss Patty)

RAMONES: FORTES DEMAIS PARA MORRER



Imagine uma época em que tudo em matéria de rock'n'roll parecia estar saturado, onde apenas alguns doidões conseguiam se manter incólumes. Pois bem, imagine também o que era para um grupo de adolescentes beirando a vida adulta, morarem em um bairro pobre de NY e terem de aguentar gozações e injurias por parte dos colegas de escola e de boa pate da vizinhança.

Pois bem, de uma realidade nesses moldes foi que os amigos Douglas Colvin, John Cummings, Thomas Ederly e Feffrey Hymann se juntaram para tocar as coisas que curtiam, sem precisarem depender da aprovação de ninguem. Douglas era conhecido como Dee Dee, John era Johnny mesmo, Thomas sempre foi Tommy e Jeffrey, para sempre Joey. Formava-se então, em 1974, nos arrabaldes de New York (no bairro Queens), os RAMONES.

O nome RAMONES surgiu a partir de uma história de que o ex-Beatle Paul MacCartney costumava usar o nome Paul Ramone para se hospedar nos hotéis pela Europa, afim de que ninguém o importunasse. Os meninos adotram essa idéia e de pronto, afim de constituírem uma irmandade, passaram a assinar com o sobrenome Ramone.

Embora tenham começado a tocar em 74, seu primeiro e autointitulado lp só saiu mesmo em 76. Ainda com Tommy na bateria, gravaram mais 2 discos: "Leave Home" ('76) e "Rocket To Russia" ('77).

"Ramones" e "Leave Home" eram excelentes! Letras curtas e diretas, instrumental estupidamente simples e de fácil fixação mental. Assim era o seu som!

Naqueles tempos, apesar do desgaste do mainstream, muita coisa boa emergia do underground novaiorquino, em uma cena capitaneada pelo CBGB's: Lou Reed, Iggy Pop, New York Dolls, Richard Hell, Television, Blondie, Talking Heads e muitos outros mais.

Entretanto, seu verdadeiro estouro veio com o clássico álbum "Rocket to Russia" ('77), último disco com Tommy na bateria. É bom frisar que poucos discos em nossa vida tem a capcidade de marcar tanto quanto este! Clássicos como "Cretin Hop", "Rockaway Beach", "Teenage Lobotomy", "Sheena Is a Punk Rocker mais releituras do naipe de "Surfin' Bird" (The Trashmen) e "Do You Wanna Dance" (de Johnny Rivers) fazem desse disco um objeto indispensável na discoteca de todo aquele que ama de verdade o rock'n'roll.

Feito esse disco, Tommy Ramone decide dar outro rumo à sua vida. Sai da banda e consolida uma bela carreira como produtor musical, produzindo inclusive o próximo tralho dos Ramones entre tantos outros. Para seu lugar entra Marky Bell, ex-baterista de Richard Hell, que também adota o sobrenome Ramone.

"Road To Ruin" ('78) foi o primeiro disco com Marky, que apesar de não ser Tommy, soube se manter à altura do trabalho. Com suas batidas, conduziu clássicos como "I Wanna Be Sedated", "She's The One", "Bad Brain" etc.

Em '79, participaram da comédia escolar "Rock'n'Roll Highschool" e na mesma época, um sonho de Joey se realizou: os Ramones finalmente gravariam com Phil Spector! O resultado disso é o disco "End Of Century" que, apesar de ser um album dos Ramones, muitos críticos e fãs o consideram como um discossolo de Joey acompanhado pelos Ramones e por músicos do Wrecking Crew. De toda forma, é um clássico assim mesmo!

Vem a década de '80 e os Ramones passam a gravar uma média de 1 disco a cada 18 meses. Entre '81 e '83 gravaram dois albuns bastante irregulares: "Pleasant Dreams" e "Subterran Jungle". Enfrentaram períodos conturbados, marcados principalmente pelas bebedeiras de Marky mais as crises de Dee Dee. Johnny Ramone quase morreu, espancado por um pitboy. Gravaram três discos com Richie Reinhardt na bateria: "Too Toguh To Die", "Animal Boy" e "Halfway To Sanity".

Com a volta de Marky em '89, fizeram "Brain Drain", que trazia consigo o clássico blockbuster "Pet Sematary", também tema do filme "Cemitério Maldito" de Stephen King. Feito isso, a banda circulou o mundo, Dee Dee se encheu e da estrada e foi se dedicar à carreira solo e a compor boa parte das música que os Ramones emplacariam....



1990's...



Os anos '90 foram muito generosos com os filhos do Queens. Dee Dee já não tocava mais com eles, entretanto a banda recrutou um ótimo soldado: C.J. Ward.

Com C.J. no baixo e assumindo vários dos vocais também, a banda gravou 3 albums de estúdio: "Mondo Bizarro" ('92), "Acid Eaters" ('93) e "Adios Amigos" ('95); mais 3 ao vivo: "Loco Live" ('92), "Greatest Hits Live" e "We're Outa Here".

"We're Outa Here", aliás, foi o disco de despedida da banda, uma vez que sentiam que já era hora de "pendurarem as chuteiras", até porque a saúde de Joey demonstrava claros sinais de fraqueza. Tiveram participações ilustres: Eddie Vedder (Pearl Jam), Tim Armstrong e Lars Friederiksen (Rancid), Chris Cornell (Soundgarden), Lemmy Kilminster (Motorhead) e o fundador, dee Dee Ramone.


Pós-banda...

Com o fim da banda, muito material bom foi lançado, como a as coletâneas "Unreleased Tracks", o disco "Zonked" de Dee Dee e o "Don't Worry About Me" de Joey.

Em 2001, o cancer linfático de Joey deu seu tiro de misericórdia e o levou deste mundo. Foi às vésperas de completar 50 anos!
Um ano mais tarde, após um longo tempo de abstinência, foi a vez de Dee Dee ser levado por uma overdose de heroína.
Não demorou 2 anos e desta vez a vida de Johnny foi ceifada por um câncer de próstata.

Marky e C.J. continuaram com outros trabalhos. Boatos rezam que ambos estão encabeçando junto com o produtor Daniel Rey mais Lemmy Klminster uma banda tributo ao legado dos Ramones e que farão uma tour beneficente, contra o câncer. É esperar pra ver....

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Max Merege é colaborador da Folha do Estado desde outubo de 2008, e RAMONES MANÍACO desde 1987.

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Publicado no Jornal Folha do Estado, no caderno FOLHA 3, no dia 31/Maio/2009

LEMINSKI BASHÔ AQUI!



Paulo Leminski Filho nasceu em Curitiba, no dia 24 de Agosto de 1944. Descedente de imigrantes polacos por parte de pai e de uma brasilidade "típica de Gilberto Freire" por parte de mãe, Leminski sempre se orgulhou muito de sua origem.

Na adolescência, foi seminarista da ordem dos beneditinos, tendo ido estudar no Mosteiro São Bento, em São Paulo, onde iniciou seus estudos em latim e grego. Nos anos 60 estudou judô e acabou se tornando um entusiasta da cultura oriental. Não obstante, aprendeu japonês e fez-se também como o maior discipulo brasileiro da obra de Bashô.

Em 1963, participou da Semana Nacional da Poesia Concreta, em Belo Horizonte. Lá foi o seu "debut" literário e passou a ser sempre bem lembrado pelos mestres do concretismo Haroldo e Augusto de Campos e Décio Pignatari, não pelo físico de judoca, mas pela malandragem com que tecia seus versos, sendo que muitos dos quais passaram a figurar, em 64, na revista INVENÇÃO, a casa dos poetas concretos.

Leminski curtiu ser um "beatnik caboclo", largou a faculdade na metade dos cursos de Direito e Letras. Teve um "casamento" aos 17, aos 18 conheceu a também poetisa Alice Ruiz, com quem foi morar num "squat" junto com sua ex-namorada e o atual namorado dela. Teve com Alice, além de uma grande parceria poética, três filhos: Miguel Ângelo (falecido aos 10 anos, vítima de câncer), Áurea e Estrela.

Com a poetisa Alice Ruiz,
sua eterna companheira



Entre os anos 70 e 80 trablhou árduamente como professor de História e de Redação em cursinhos pré-vestibular. Foi um dos maiores redatores e diretores de criação da propaganda paranaense. Publicou varios livros de poesia, entre os quais destacam-se: "Caprichos e Relaxos", "Distraídos Venceremos" e "La Vie En Close". Escreveu também ensaios biográficos sobre figurinhas carimbadas da história como Jesus Cristo, Cruz e Souza, Edgar Allan Poe, Bashô, Trotski etc. Nos anos 80, foi um dos colaboradores mais solicitados do jornalismo brasileiro, tendo escrito uma infinidade de artigos para a Folha de São Paulo e para a Veja, principalmente.


ERRA UMA VEZ

Nunca cometo o mesmo erro duas vezes
Já cometo duas três quatro cinco seis
Até esse erro aprender que só o erro tem vez.

sossegue coração
ainda não é agora
a confusão prossegue
sonhos afora

calma calma
logo mais a gente goza
perto do osso
a carne é mais gostosa

você está tão longe
que às vezes penso
que nem existo
nem fale em amor
que amor é isto




Escritor de plantão, traduziu (transcriou) para o portugues obras como "Pergunte Ao Pó" de John Fante, "On The Road" de Jack Kerouak, "Mallone Morre" de Samuel Beckett, "Um Atrapalho no Trabalho" de John Lennon, "Satiricon" de Petrônio, Sol e Aço, de Yukio Mishima, O Supermacho, de Alfred Jarry, e Giácomo Joyce, de James Joyce.

Filósofo prático, destrinchou Renée Descartes e o pôs em cheque na obra "O Catatau", de 1975, que fala sobre a vinda de Maurício de Nassau ao Recife, que trazia em sua missão o filósofo Renatus Cartesius, que haveria de confrontar seus valores com a realidade onírica do Brasil seissentista.

Mesmo nunca tendo acabado uma faculdade de letras, Leminski foi escola para muitos professores. Em 1984, seu então novo romance, "Agora É que São Elas", causa reboliço pelos meios acadêmicos e literários, pois o autor usava ninguém menos que a figura de Vladmir Propp, um formalista russo que "estabeleceu" as 31 regras que regem o conto fantástico, em um livro que relata um psiquiatra que se vê no direito de aplicar as mesmas regras literárias de seu homônimo russo no exercício da psiquiatria. (sitaução esta que lembra um pouco a idéia do filme "Dead Man", de jim Jarmush, no qual Johnny Depp vive um representante comercial que é socorrido por um índio letrado, só porque se chama william Blake)

Inventivo, Paulo Leminski usava e abusava da "polissemia" e sacaneava formidavelmente com as regras do bom português:

Meu professor de análise sintática era o tipo do
sujeito inexistente.
Um pleonasmo, o principal predicado da sua vida
regular como um paradigma da 1a conjugação.
Entre uma oração subordinada e um adjunto adverbial,
ele não tinha dúvidas: sempre achava um jeito
assindético de nos torturar com um aposto.
Casou com uma regência.
Foi feliz.
Era possessivo como um pronome.
E ela era bitransitiva.
Tentou ir para os EUA.
Não deu.
Acharam um artigo indefinido em sua bagagem.
A interjeição do bigode declinava partículas expletivas,
conectivos e agentes da passiva, o tempo todo.
Um dia, matei-o com um objeto direto na cabeça.


Quem ousou ou seria capaz de bagunçar o coreto das boas maneiras da língua como ele, no Brasil de hoje? Poucos ... ou talvez ninguém!

Defendeu, em um curso de produção poética por ele ministrado, em meados dos anos 80, na Fundação Armando Alvares Penteado, em São Paulo, a idéia de que a arte, a poesia e a música não passam de meros "inutensílios" no mundo prático, e expõe todas as suas convicções - escancaradamente irônico - sob a forma de dois ensaios que contam que ante à tecnocracia, os sentimentos, as artes, a música e os valores humanos, não servem para nada, pois são mero "inutensílio".


materesmofo
temaserfomo
termosfameo
tremesfooma
metrofasemo
mortemesafo
amorfotemes
emarometesf
eramosfetom
fetomormesa
mesamorfeto
efatormesom
maefortosem
saotemorfem
termosefoma
faseortomem
motormefase
matermofeso
metamorfose

poema "metaformose"


Paulo Leminski entre Caetano Velloso e Moraes Moreira



Além de poeta, ensaísta, tradutor e judoca, Leminski também foi um grande compositor, pois acreditava na música como um excelente veículo propagador de suas idéias, uma vez que, em sua concepção, a poesia era o único instrumento que não sofrera ação do sistema e que poderia ser usada como forte arma para propagação de seus ideais, principalmente através da canção como veículo. Fez parceria com muita gente: Blindagem, Morais Moreira, Paulinho Boca de Cantor, Caetano Veloso, A Cor do Som, Edvaldo Santana, Guilherme Arantes e mais uma carrada de caras que musicaram muitos de seus poemas.

É bom lembrar que, apesar de suas letras serem maravilhasamente fora do comum, e de contarem com intérpretes (quase) à altura, musicadas, sofreram com as "comodidades tecnológicas" da época. É bom que não se espere muita coisa. Afinal, nos anos 80, as técnicas de gravação e as formas de arranjar na música brasileira eram incrivelmente precárias e terrivelmente contaminadas pelas maravilhas modernosas que tiravam o brilho de qualquer grande obra.

Segundo a Professora Leyla Perrone Moisés:
"Leminski ganha a aposta do poema, ora por um golpe de espada, ora por um jogo de cintura. Tão rápido que nos pega de surpresa; quando menos se espera, o poema já está ali. E então o golpe ou a ginga que o produziu parece tão simples que é quase um desaforo."

No dia 7 de junho de 1989, após noites a fio não dormidas, regadas a vinho barato ao pé de sua máquina de escrever, e depois de muitas perambulações pelas mesas do Bife Sujo e também do Lino's (por que não?!), Paulo Leminski, aos 44 anos, morre de cirrose etílica (uma morte irônicamente identica à de Fernando Pessoa), mas deixa, além de uma vasta e diversificada obra, um legado indelével a perdurar para sempre nos anais da língua portuguesa:


moinho de versos
movido a vento
em noites de boemia

vai vir o dia
quando tudo que eu diga
seja poesia

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Max Merege, pesquisador Cuiabano, estudou Letras em Curitiba e tornou-se apreciador compulsivo da obra desse bandido que falava Latin.

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Publicado no Caderno FOLHA 3, do Jornal FOLHA DO ESTADO (Cuiabá/MT , no dia 24/Maio/2009