domingo, 31 de janeiro de 2010

ERA UMA VEZ NO CENTRO-OESTE

Esses dias, ao msn, falando com uma querida amiga que está lá em Curitiba, contei que passei o dia me alucinando com um dvd do Ennio Morricone ("Morricone Por Morricone").

_Morricone?! Não conheço.

_É o famoso Maestro italiano que compôs inúmeras trilhas para o cinema.

Logo, mandei-lhe alguns videos do Maestro regendo as orquestras e passados quinze minutos de silêncio absoluto deste lado, ela teceu uma breve crítica:

_Sabe quando você come um chocolate bem bom??? Ou quando faz exercício físico, tipo uma corrida na beira do mar? Ou quando está tão apaixonado que tem vontade de gritar de amor? Morricone é isso e muito, muito mais!!!!

Isso aguçou meu pensamento e pus-me a pensar que, de fato, existem mesmo certos dias em que nos encontramos com um mesmo conteúdo guardado na cabeça e absorvido pelo coração, mas para o qual as palavras de nosso pobre e limitado léxico sempre serão insuficientes para descrever, pois diz respeito à grandeza de uma obra que atinge o fundo de nossa alma! Não interessa idade, cor, sexo, credo ou formação cultural de quem ouça, pois Morricone é a definição mais que perfeita para a música como linguagem universal.

Já vimos aqui por esta coluna muitas figurinhas interessantes que, na maioria das vezes, são desconhecidas de nosso grande e amado público; e outras, bastante conhecidas, mas que até então haviam tido pouco espaço em nossos estimados veículos. Uma dessas é o maestro italiano Ennio Morricone.

A propósito quem nunca assoviou "The Good, The Bad and the Ugly", tema de "Três Homens em Conflito"? Sim, esta é sem dúvida o maior clássico das trilhas de faroeste! Mas não foi apenas com trilhas de faroeste que Morricone se destacou, mas por sua incrível versatilidade de transitar por todos os terrenos sem jamais deixar de ser Morricone.

Nascido no dia 10 de novembro de 1928, filho de uma dona de casa e de um músico de jazz, Ennio Morricone ingressou na música ainda criança, pois aos seis anos já compunha suas primeiras melodias. Estudou no conservatório Santa Cecília, onde em tempo recorde concluiu um curso de quatro anos de duração em apenas dois. Testemunhou os tempos difíceis de uma Itália assolada pela Segunda Guerra Mundial. Na juventude, ganhou a vida como músico noturno, criou belas peças sobre textos de autores consagrados como Giacomo Leopardi, Ranieri Gnoli, Salvatore Quasimodo, Cesare Pavese etc. Entre 1953 e 1960, foi maestro da RAI, preparando trilhas para novelas, e em 1958, tornou-se arranjador da RCA, onde trabalhou com artístas como Rita Pavone e Mario Lanza. Em 1966, um grande sucesso pop, de sua autoria, foi a música "Se Telefonando", na voz de Mina Mazzini. Trabalhou também com muitos artistas de peso, como Francoise Hardy, Gianni Morandi, Paul Anka, Mireille Mathieu e tantos outros mais.

Como o seu trabalho com cinema já lhe rendera um bom nome desde o final do 50's, em meados da década seguinte iniciou uma forte parceria com o diretor Sergio Leone, um velho amigo seu dos tempos de escola ainda.

Influenciado pelo experimentalismo de John Cage e diante de limitações orçamentárias que inviabilizavam a manutenção de uma orquestra inteira, Morricone preparou as trilhas para a "Trilogia do Dollar" ("Por um Punhado de Dólares", "Por Uns Dólares A Mais" e "Três Homens Em conflito") com inúmeros outros recursos como barulhos de tiros, quebradeiras, chapas de aço e, é claro, guitarras elétricas.

Nascia uma nova era no cinema, formou-se assim o trinômio Sergio Leone, Clint Eastwood e Ennio Morricone, e o cinema de faroeste jamais seria o mesmo. Chega das histórinhas clichê, chega das mesmas fanfarrices nas trilhas-sonoras, adeus aos maniqueísmos e ao politicamente correto! Morricone ainda ganharia notoriedade por pelas trilhas de outra trilogia de Leone, formada por "Era Uma Vez No Oeste", "Quando Explode A Vingança" e "Era Uma Vez Na América".

Bastante requisitado, Morricone trabalhou ainda com diretores do porte de Pier Paolo Pasollini, Giuseppe Tornatore, Sergio Corbucci, Tonino Valerii, Mario Bava, Giuliano Montaldo, Dario Argento, John Carpenter, Brian De Palma etc.

Ganhador de prêmios importantíssimos como David di Donatello (Academia de Cinema Italiana), dois Globos de Ouro, um Grammy, um Leão de Ouro em Veneza e tantas outras honrarias mais, por várias vezes fora indicado ao Oscar, mas somente em 2007 recebeu a consagração máxima, sob a forma de um prêmio pelo Conjunto da Obra, entregue por Clint Eastwood, que antes apresentara um discurso de gratidão ao Maestro por este ser um dos responsáveis por seu sucesso como ator, e em seguida serviu de interprete para o discurso do Maestro em italiano.

Por duas vezes veio ao Brasil. Uma em 2007, regendo a Orquestra Petrobras, e outra em 2008, para uma única apresentação em São Paulo.

Enfim, sei que aqui eu levaria inúmeras páginas para comentar sua vasta discografia e filmografia; afinal, quando o assunto é Morricone, pode-se ter certeza de que isso ainda dá muito pano pra manga. Por outro lado, talvez seja mais prudente debruçarmo-nos na idéia maeterlinkiana d'o "indizível", e apenas sentirmos o que de fato é para ser sentido: sua música; bálsamo para o coração, depurativo para a alma.


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“We All Love Ennio Morricone” (2007)

Um belo cedê-tributo lançado logo após o Oscar de 2007. Músicas do Maestro interpretadas por diversos grandes nomes da música pop. Abre com Celine Dion, cantando "I Knew I Loved You" (*pessoalmente, nunca gostei dela, mas aqui ela mostrou um bom serviço!)e segue-se com releituras feitas por Quincy Jones & Herbie Hancock, Bruce Springsteen, Andrea Bocceli, Metallica, Yo-Yo Ma, Daniela Mercury & Emir Deodato (*vale aqui a mesma opinião de cima!), a portuguesa Dulce Pontes, Roger Waters e, é claro, o próprio Ennio Morricone.




“Per Un Pugno di Samba” (1970/2002)

Disco que Chico Buarque fez em seu breve exílio pela Itália. Inteiramente arranjado por Ennio Morricone e com letras reescritas por Sergio Bardotti, saíra apenas na Itália, no ano de sua gravação, 1970. Por questões burocráticas, envolvendo contratos de gravadora, o disco precisou amargar mais de trinta anos de espera para ser lançado no Brasil. O próprio Maestro o considera um disco muito à frene de seu tempo.







“Morricone por Morricone” (Morricone Conducts Morricone) (2005)

Dirigido por seu filho, Giovanni Morricone, trata-se de uma emocionante apresentação do Maestro em Munich, Alemanha, no dia 20 de outubro de 2004. Mesmo com um repertório aparentemente "previsível", formado por temas consagrados como "Os Intocáveis", "Cinema Paradiso", "A Missão" e aqueles que permeiam os filmes de Sergio Leone, não tem como conter as lágrimas com tão belo espetáculo, ainda mais nas canções apresentadas pela soprano Edda dell'Orso.


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publicado no caderno Folha 3, jornal Folha do Estado, Cuiabá-MT - 31 de janeiro de 2010



domingo, 24 de janeiro de 2010

Apresentando: THE SONICS



É muito comum ouvirmos de vários amigos conhecedores que quem começou a tocar o pau no rock foram ingleses como Led Zeppelin, Deep Purple e Black Sabbath. No entanto, vimos que as coisas não são bem assim, já que o rock pesado é apenas um menino bastardo, revoltado e violento, cujos pais, por sua vez, são ilustres "desconhecidos"! Mas a parte mais maravilhosa disso tudo é que de umas duas décadas pra cá as pesquisas passaram a se intensificar cada vez mais, não só entre pesquisadores, mas principalmente entre os fãs, que, sedentos por animosidades cada vez mais difíceis de se encontrar e buscando desmistificar inúmeras lendas, meteram as caras foram atrás das devidas informações. Obviamente, isso ocorreu antes do advento desta maravilha chamada internet, já que através dela ficou bem mais fácil de se adquirir as tão almejadas informações e que há alguns bons anos atrás precisaríamos esperar meses até que chegasse aquele cedê importado, com um maravilhoso encarte recheado de informações.

Mas voltando à pauleira... certa vez apresentamos um singelo e breve review sobre o MC5 e, claro, com todo respeito devido, foi-nos possível mostrar que existiam, sim, bandas muito mais animalescas do outro lado do Atlântico (e, por que não, no resto do mundo também) que as supracitadas e todas as demais de sucesso consagrado em nosso limitadíssimo universo pop.

Sem mais delongas, vamos ao que interessa...

Filhos de uma renomada professora de piano da cidade de Tacoma, uma modesta cidade dormitório da região metropolitana de Seattle, os irmãos Lary e Andy Paripa começaram seus experimentos musicais com amigos em 1960, tocando respectivamente guitarra e baixo, e fazendo bailinhos pelas escolas da área (aliás, este foi o começo de inúmeras grandes bandas da história do rock!), mas somente quatro anos mais tarde juntaram-se aos companheiros Gerry Rosille (piano e órgão), Rob Lynd (saxofone) e Bob Bennett (bateria) para começarem de fato a mudar a história. Surgia o The Sonics!

The Sonics foi/é uma banda que sempre teve o seu cantinho cativo na história do rock, não por ter sido um grande vendedor de discos ou por conta de experimentações de toda a sorte, mas por sua peculiariedade sonora, algo a perdurar fortemente pelo resto dos anos, em todo o mundo, e cujo reconhecimento formal só veio depois que muita gente famosa passou a citá-los como influência.

Influenciados principalmente por Little Richard e diversos tantos "malditos" como Link Wray, Hasil Adkins, Screamin' Jay Hawkins, Howllin' Wolf etc, eles incendiaram Seattle e contribuiram fortemente para fizer da região o que é hoje em termos roqueiros. Sim, anos antes de Jimi Hendrix e da famigerada geração SubPop, Seattle sempre teve os maravilhosos Ventures e bandas incríveis como The Kingsmen, The Fab. Wailers, The Drastics, The Dynamics, The Regents etc, mas foi mesmo com os Sonics que a coisa ganhou um sentido mais amplo e verdadeiro.

Ansiosos por passar seu recado, lançaram em 64 seu primeiro compacto com "The Witch" e "Keep A Knocking", uma regravação para o clássico de Little Richard. Localmente, seus discos se esgotaram nas vendas, já que as rádios de recusavam a tocar músicas "politicamente incorretas", cuja temática abordava assuntos "tabu", o que se estendeu para seus singles posteriores, já que as letras sempre giravam em torno de coisas como sexo e distúrbios mentais relatados em primeira pessoa ("Psycho", "The Hustler", "Boss Hoss", "Cinderella" e "Maintaining My Cool"), drogas ultra-pesadas ("Strychnine") e ocultismo ("The Witch" e "He's Waiting").

Pela Etiquette Records, gravaram uma série de pedradas sonoras, contidas nos discos: "Here Are the Sonics" (1965), "Merry Christmas" (1965) e "Boom" (1966). E em 1966 mudam-se para a Jerden Records, com a qual gravam "Introducing The Sonics", o disco mais light de sua carreira e que, segundo os próprios membros da banda, foi a pior burrada de suas vidas.

Todavia, mal se levantaram de um tombo e a mão do destino pôs-se a esquartejar a banda: Andy foi tocar com outras bandas da área, Larry foi virar professor de literatura (reza a lenda que até Kurt Cobain foi seu aluno no colegial) e Rob Lind foi virar piloto na guerra do Vietnã. Restaram Gerry Rosille e Bob Bennett, que conduziram a trupe como um morto-vivo até 1972, ano em que os membros originais se reuniram para um show no Seattle Paramount, de onde gravaram o excelente disco "Live Fanz Only". Depois disso, cada qual foi levando sua vida... No começo dos 80, usando o nome The Sonics, Gerry Rosille gravou o disco "Sinderella", que mesmo contendo regravações de clássicos da banda, não surtiu o mesmo efeito e nem tampouco tinha o punch dos Sonics originais.

Em 2007, com uma formação mais próxima possível de seus áureos anos, reuniram-se para uma apresentação no Cavestomp, em Nova Iorque, um festival dedicado ao garage-punk, estilo inaugurado pelos próprios Sonics mais de quatro décadas antes. Dos membros, ficaram: Gerry Roslie (vocais/teclados), Larry Parypa (guitarra) e Rob Lind (sax); para o baixo e a bateria, Don Wilhelm e Ricky Lynn Johnson.

No ano seguinte, gravaram um disco ao vivo na BBC de Londres e fizeram sua primeira tour fora dos EUA. Contudo, sua maior glória foi ter tocado em Seattle, no Halloween, 36 anos após sua última apresentação, com Bob Bennet na bateria, para um público formado por velhos amigos e inúmeros fãs que sequer haviam nascido na época de seu boom.

The Sonics, por mais desconhecida que pareça é uma das bandas que mais influenciaram o rock nos últimos 50 anos, já que sua legião de fãs famosos se estende desde o conterrâneo Jimi Hendrix até White Stripes e Eagles Of Death Metal, passando por Dead Boys, The Cramps, Billy Childish, The [Swiss] Monsters, Fuzztones, Mudhoney, Nirvana, Pearl Jam e tantos outros doidos mais. Uma banda para para se ouvir à exaustão, no último volume!

Um grande abraço a todos e até a próxima.

Originalmente publicado
dia 24 de Janeiro de 2010
Caderno FOLHA 3
Jornal FOLHA DO ESTADO
Cuiabá - Mato Grosso


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sábado, 23 de janeiro de 2010

GUERRERO SONORO



Quem andou de skate entre os anos oitenta e noventa certamente se lembrará dele, afinal, mesmo não sendo um tupiniquim como nós, o cara era bem brasileiro na hora de fazer suas manobras radicais, recheadas de uma ginga malandra pouco comum à sua época. Descendo as ladeiras da californiana São Francisco ou dando rolês pelos subúrbios da cidade, Tommy Guerrero foi uma dessas figurinhas pra lá de carimbadas que animaram os famigerados vídeos da Bones Brigade (Future Primitive, The Search For Animal Chin, Public Domain, Ban This etc), dirigidos por Stacy Peralta.






Após uma bem sucedida carreira no time da Powell Peralta, Guerrero e seu parceiro de equipe, Jim Thiebaud, fundaram no início dos noventa sua própria marca, a Real Skateboards. O negócio deu tão certo que Tommy Guerrero pôde, finalmente, dedicar-se com mais afinco à sua outra grande paixão: a música.
Por um bom tempo, tocou sua guitarra na banda de hardcore Free Beer e em seguida integrou uma outra chamada The Jet Black Crayon, que tocava surf-instro experimental, e com a qual se reuniria para gravar na metade de 2000. Tudo bem, foi muito bom fazer um barulho com os amigos e assim se (re)descobrir como músico. Entretanto, o melhor ainda estava por vir...


Um Pingo de Alguma Coisa...

Foi com o single Backintheday (1995), que Tommy Guerrero descobriu que podia se sair tão bem em algo quanto no skate. Seu rock instrumental viajandão, influenciado por toda sorte de sons, tornava-se aos poucos uma febre, não apenas por entre esqueitistas e surfistas, mas por todo canto onde hovesse ávidos curtidores de boa música. Afinal, fundir com tamanha elegância música do terceiro mundo a rítimos tão amricanos como o blues e o jazz, não era tarefa para qualquer um.
Em três anos de árduo trabalho, Guerrero adotou um rítmo mais compassado em sua produção sonora, lançando discos quase que anualmente. Começou com Loose Grooves & Bastard Blues(1998) e sucedeu-se como A Little Bit Of Somethin' (1999), Hoy Yen Ass'n (2000), Junky Collector (2001), Soul Food Taqueria (2003), Year of the Monkey (2005), From The Soil To The Soul (2006), Return of the Bastard (2008, uma clara homenagem ao seu primeiro full cd) e Lord Newborn and The Magic Skulls (2009). Em 2002, mixou e compilou a coletânea Another Late Nights: Tommy Guerrero, parte da série Late Night Tales.


Ao vivo, no Festival Alma Surf - foto: Gideonis Jr.


Em julho do ano passado, Tommy Guerrero aportou em nosso amado país e tocou na sexta edição do Festival Alma Surf, em São Paulo e, como não podia ser diferente, além de hipnotizar a platéia, também conquistou uma nova legião de fãs.

Max Merege, colunista do Folha 3, é publicitário por profissão, filósofo amador, esqueitista aposentado e musicófilo compulsivo. Nunca perde a chance de uma boa discussão sobre música, filmes e idéias.

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Originalmente publicado
dia 17 de Janeiro de 2010
Caderno FOLHA 3
Jornal FOLHA DO ESTADO
Cuiabá - Mato Grosso

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VÍDEOS DE TOMMY GUERRERO

MC5



Queridos leitores,
Sei que o quanto sentiram minha falta por essas últimas semanas. Pois bem, o "recesso" foi algo mais do que necessário, pois como todos já estamos cansados de saber, pesquisadores nunca entram em recesso de fato, já que a cada segundo poem suas cabeças para funcionar, seja atrás de novidades do presente ou desenterrando tesouros do passado.
Não faz muito, fui para Curitiba, passar o Natal com meus familiares que moram por lá, e nesse ensejo aproveitei para dar umas saídas, rever lugares e reencontrar antigos companheiros. Numa dessas, fui tomar uma cerveja no famoso Chinaski Bar e lá eu vi meu velho amigo Daniel Cana com uma camiseta do MC5. Não resisti e lhe fiz uma proposta: "hey, Cana, quer trocar essa camiseta por uma novinha da Santa Cruz Skate ?" Ele olhou, pensou... e disse: "valeu mesmo, Max, mas essa aqui é preciosa pra mim; afinal, ganhei numa aposta com o Paulo Bosta". Beleza! Nisso eu tive um estalo, já que fazia um bom tempo que o Henhippie me cobrava uma matéria sobre esses caras e eu sempre postergava. Bem que eu podia escrever sobre um grande ídolo meu, o Rei do Rock, Elvis Aaron Presley; afinal, comemoramos seus 75 anos, mas não! Até porque o que não falta é veículo falando d'Ele. Assim sendo, com vocês, hoje: MC5 !


Heróis da Pauleira

Primeiramente, MC5 não é banda de funk e nem tampouco um grupo de hip-hop com cinco MCs, mas uma turma que lançou as sementes do rock pauleira das décadas posteriores aos 60 até os dias de hoje, e cuja nome significa Motor City Five (trad: Os Cinco da Cidade Motor), já que aludia à vida na cidade de norte-americana de Detroit, terra da Ford, GM, Chrysler etc e de um GP de Formula 1. Ou seja, MC5 é certeza de rock de altíssima octanagem, já que todos os seus membros aprenderam antes mesmo de tocar a distiguir os carros pelo barulho do motor.
Começaram a tocar em 1964, pelo circuito de colégios e tudo quanto era biboca da região de Detroit e Ann Arbour, influenciados principalmente pelo rhythm'n'blues de Chicago e, é claro, pelo ronco dos motores. A banda começou com os amigos de infância e guitarristas Fred "Sonic" Smith & Wayne Kramer, que em seguida recrutariam Rob Tyner para os vocais, Pat Burrows para o baixo e Bob Gaspar para a bateria. Tornaram-se os Reis da área e literalmente bagunçaram o coreto na região!
Tanto sua sonoridade quanto sua postura política e o teor de suas letras refletiam algo extremamente revolucionário, e isso sempre mantinha a polícia no seu pé. Lançaram no comecinho de 68 o seu primeiro single: "Borderline" and "Looking at You." Ainda na mesma época, Danny Fields, executivo da Elektra Records, deu o ar da graça por Detroit e acabou contratando o MC5 e seus conterrâneos, os Stooges. Danny Fields entrou para a história e arrumou uma bomba nuclear para a vida, já que tanto MC5 quanto os Stooges faziam os Doors (outro nome de peso da gravadora então) parecem mocinhos de família. No Halloween do mesmo ano gravaram ao vivo no Detroit's Grand Ballroom todo o material que figuraria no antológico disco "Kick Out The Jams". "Kick Ou The Jams", aliás, deu o que falar na época, já que na música, originalmente, Rob Tyner gritava "Kick Out The Jams! Motherfuckers!!!!!!" ("Vamos quebrar essa po**a, seus FDPs!!!!!"). Ao mesmo tempo em que lojas se recusavam a vender o disco, a gravadora instruia os rapazes a trocarem o "motherfuckers" por "brothers and sisters".
Partidários de esquerda, muito anos antes do Rage Against The Machine sonhar em se engajar politicamente, eles já integravam a turma dos White Panters, um grupo parceiro dos Black Panthers e que também brigava contra as desigualdades sociais e a guerra do Vietnã. Até o final da banda, gavariam ainda outros dois elepês: "Back In The USA" e "High Time".
Entretanto, mesmo tendo o grupo "pendurado as chuteiras" em 1972, seu legado continuou avassalador, pois tornaram-se influência sagrada tanto para o punk quanto para o metal e todo o rock alternativo em geral. Iggy Pop & The Stooges, Motorhead, Kiss, Ramones, Damned, Radio Birdman, The Germs, Greg Sage & The Wipers, Sonic Youth, Mudhoney etc etc etc.
Nesse meio tempo, cada um seguiu sua vida... Fred Smith, junto com Scott Asheton (Stooges), formou a Sonic's Rendevouz Band, e anos mais tarde casou-se com Pat Smith, mas morreu de câncer em 1994; Wayne Kramer circulou entre o céu e o inferno na terra, tendo até passado uns bons anos no xadrez por porte de drogas; recuperou-se e voltou para o rock nos anos 90, tendo lançado um bom material pelo selo Epitaph. Robin Tyner se tornou um grande produtor na região do Michigan, gravou um disco-solo em 1990, mas morreu no ano seguinte de ataque cardiáco.

De volta aos palcos...

Em 2003, os três sobreviventes - Wayne Kramer, Michael Davis e Dennis Thompson - fizeram uma bela reunião no clássico 100 Club de Londres. Das participações, ninguém menos que Nickie Anderson (The Hellacopters), Dave Vanian (The Damned), Lemmy Kilminster (Motorhead) e muitos mais. Sucesso este que se repetiu nos anos porteriores, contando inclusive com tours e uma vinda ao Brasil, com direito a aparição no programa do Jô Soares. Desde 2005 a banda tem seguido na estrada com o apoio vocal de Handsome Dick Manitoba, o lendário cantor do Dictators.




Originalmente publicado
dia 10 de Janeiro de 2010
Caderno FOLHA 3
Jornal FOLHA DO ESTADO
Cuiabá - Mato Grosso

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VÍDEOS DO MC5