quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Valêncio Xavier & a grippe


Enfrentamos agora uma pandemia calcada no medo, que assola o mundo inteiro e que tem suas dimensões incrivelmente distorcidas por conta de um sistema que de um jeito ou de outro precisa funcionar, mesmo que em cima da desgraça alheia.

Em 1980, um escritor paulista radicado em Curitiba radicalizou quando, simultaneamente, soube recontar uma situação ocorrida havia mais de seis décadas e também ao prever com precisão milimétrica algo que haveria de acontecer quase 30 anos mais tarde à publicação de seu livro.

"O mez da grippe" é um compêndio de fatos e imagens relacionados aos meses de outubro e novembro de de 1918, época da Primeira Guerra Mundial e da disceminação da gripe espanhola.

O livro em si consiste em um mosaico de colagens - artigos, receitas de bolo, obtuários, cartões postais, notas, anúncios, comunicados oficiais etc - feitas a partir de jornais curitibanos, da época, mais uma gama depoimentos e citações e até poemas e poemetos.

Tal qual a realidade virtual, a obra é capaz de transportar o leitor para 1918, já que mesmo o livro sendo concebido para que sua leitura trancorra tal qual a de um jornal, o leitor pode escolher a ordem em que quer desfrutar da obra, sem que isso interfira no andamento da leitura ou apague a empolgação de se explorar um período que é, ao mesmo tempo, tão longe e tão perto.

Fofocar sobre a sociedade, contar fatos sobre a Guerra na Europa, esculhambar alemães e relatar as mortes, consistem apenas em uma das constantes da época, e que a imprensa, no cumprimento de seu nobre dever, não deixava de então relatar, transparecendo no edcorrer de todo o livro.

Entretanto, o mais contundente de tudo é que o livro em si, apesar de já ter uns trinta anos e de contar coisas de noventa anos atrás, consegue ser absurdamente atual, pois tudo o que ali lê-se sobre o estado de alerta de uma população, faz-se absolutamente fidedigno ao que vivemos hoje. Pouquíssimos livros conseguem se manter tão atuais como este!

Valêncio Xavier Niculitcheff nasceu em São Paulo, em 1933, mas radicou-se de fato em Curitiba. Sua maior característica é destrinchar os signos e fazer o que bem entender com eles, principalmente ao casar imagem e texto. Escreveu para inúmeras publicações e tornou-se também figurinha pra lá de carimbada nos cadernos de cultura dos maiores jornais do Brasil. Cineasta de renome, foi um dos pais da Cinemateca de Curitiba. Constantemente citado por Décio Pignatari, VX é tema recorrente em teses acadêmicas (principalmente de semiótica). Foi colaborador da Folha de São Paulo, da Gazeta do Povo (PR), da Revista da USP e muitos outros tantos veículos. Muito do que saiu em livros, é fruto de tais colaborações. Morreu em dezembro de 2008, na companhia de amigos e familiares.

VX entre os cineatas Pedro Merege e Beto Carminatti


Livros indispensáveis...


O mez da grippe & Outros Livros (Companhia das Letras, 1998)
Reunião da supracitada obra com mais quatro livros em um único volume: Maciste no inferno, O minotauro, O mistério da prostituta japonesa & Mimi-Nashi-Oishi e 13 mistérios + O mistério da porta aberta. A partir deste livro nasceram os filmes "O mistério da japonesa" (2005) e "Mysterio" (2008), pelas mãos dos cineastas Pedro Merege e Beto Carminatti, e a peça teatral "o mez da grippe", pela Pausa Companhia.



Minha mãe morrendo e o menino mentido (Companhia das Letras, 2001)
Reunião de duas obras em um único tomo, mantendo VX em sua posição de "arauto da surpresa", como diria o escritor José Castello.




Remembranças Da Menina De Rua Morta Nua (Companhia das Letras, 2005)
E eis que o Frankenstein de Curitiba ataca novamente! Não obstante, temas como a morte e o humor bizarro fazem-se presentes também nesta coletânea, a começar por uma curiosa "homenagem" ao finado telejornal "Aqui-Agora".



Crimes à moda antiga (Publifolha, 2003)
Contos que relatam crimes bizarros clássicos que ocorreram durante as três primeiras décadas do século XX, originalmente publicados na revista curitibana "Atenção", no final dos anos setenta.

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Originalmente publicado no jornal Folha do Estado, dia 06 de Setembro de 2009, no caderno Folha 3

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