segunda-feira, 24 de novembro de 2008

O JUDEU ERRANTE


Por Max Merege

Reza uma tradição judaica que todos aqueles que carregam o sobrenome Cohen, descendem de um personagem muito importante do Velho Testamento: o profeta Aarão, irmão de Moisés; e trazem consigo a missão de ajudar a humanidade, principalmente por meio da palavra…
Leonard Cohen, escritor e músico canadense, é filho de judeus ashkenazi oriundos do Leste Europeu. Cresceu entre as lições do Talmude e a vida numa Montreal católica. Com 17 anos ingressou na faculdade de direito e em seguida trilhou o caminho das letras, sob a tutela do mestre Irwing Layton.
Na década de 50, com alguns amigos, montou uma banda de country-hillbilly para tocar canções de Hank Williams, Tex Ritter e Frankie Lane, mas lançou-se mesmo foi como escritor aos 22 anos, com o livro de poemas “Let Us Compare Mythologies” (1956), sucedido por "The Spice Box of Earth" (1961), o qual lhe renderia fama internacional.
De 1963 a 1966, morou ilha grega de Hydra, de onde lançou a coletânea de poemas "Flowers for Hitler" (1964) e as novelas "The Favorite Game (1963) e "Beautiful Losers" (1966).
Em 1966 mudou-se para New York e decidiu apostar na música como o melhor veículo para a difusão de sua obra e suas idéias, lançando-se primeiramente como compositor.
A primeira intérprete foi a cantora Judy Collins, por meio da qual sua canção “Suzanne” conseguiu atrair a atenção de público e crítica, principalmente por contar a história de uma fantasia amorosa inconcretizável com a esposa de um amigo seu. Aliás, sua obra é um mosaico permanente de histórias de amor impossível e palco de constantes reflexões filosóficas existênciais que remetem claramente a episódios da Torah e do Talmude.
Entre o final ’67 e meados de ’69, LC lançou os discos “Songs Of Leonard Cohen” e “Songs From a Room”, que por meio de canções como a já citada “Suzane”, “So Long, Marianne”, “The Sisters Of Mercy”, “Bird On A Wire” etc, lançou-se de vez no restrito círculo dos poetas cantores.
Seu terceiro álbum, “Songs Of Love And Hate”, é lançado em 1971 e até hoje é considerado um dos discos mais tristes e soturnos dos últimos 50 anos na história da música pop. Em 1972, LC traz à luz o livro “The Energy of Slaves”, uma novela que ainda mantém o clima melancólico de seu último disco, mas com alguns resquícios de “esperança”.
Nos EUA, LC gozou de razoável sucesso e conquistou respeito de todos. No Canadá, tornou-se uma espécie de herói nacional, e pela Europa, uma figura amada.



Em 1973, tão logo lançou o disco ao vivo “Live Songs”, LC foi convidado pelo governo israelense para fazer alguns shows para os soldados na guerra do Yom Kippur. Bebeu taças de vinho e dividiu conhaque com um então fã seu, o General Ariel Sharon, mas por conta de tanta tensão, Leonard Cohen acabou se desolando com a guerra, até então vista apenas pelo lado romântico das histórias contadas pelos vencedores. Em virtude de tal situação, no ano seguinte, em seu álbum “New Skin For The Old Ceremony”, lançou a música “Who By Fire”, baseada no poema litúrgico "Unetaneh Tokef", que reflete sobre o que vale e o que não vale a pena nessa vida.
A coletânea “Greatest Hits: The Best Of Leonard Cohen”, é lançada em 1975 e passa a abranger todos os seus grandes êxitos, desde seu primeiro disco de ’67 até seu último disco de ’74.


DEATH O LADIES’ MAN


1977 ficou marcado como um ano conturbado para LC, pois além de se divorciar da mãe de seus filhos, gravou o disco “Death Of A Ladies’ Man”, fruto de uma tempestuosa parceria com o produtor Phil Spector.
A relação de Cohen com Spector fora um tanto tumultuosa, pois tão logo concluiram-se as sessões de gravação, Spector trancou-se no estúdio e pôs-se a mixar sozinho o disco, à revelia de LC.
Mesmo tendo participações de Bob Dylan e do escritor Allen Ginsberg, “Death Of A Ladies’ Man” (que inclusive conta com uma foto de sua ex-mulher na capa) foi por vários anos um disco “renegado” por LC. Entretanto, àquela época, o álbum ganhou o status de cult por entre punk-rockers e afins, que passaram a lhe escrever constantemente cartas e mais cartas de elogios e agradecimentos por ter sido este o “portal de entrada” para o conhecimento mais aprofundado de sua obra.
No ano seguinte, ainda injuriado com a vida, LC lançou o livro “Death Of A Lady’s Man”, cujo título era claramente alusivo ao seu “fatídico” disco anterior, haja vista que o título do disco era sobre a “Morte de Um Mulherengo” enquanto o título do livro era sobre a “Morte de Um Marido”. Enfim, é a licença poética em ação…
Para fechar a década de modo dígno, segundo o próprio Cohen, vem à luz, em ’1979, o álbum “Recent Songs”, cuja idéia principal era a de resgatar uma sonoridade que ficou em “New Skin For The Old Ceremony”.



Bem sucedido entre público e crítica, o álbum rendeu-lhe até mesmo uma tourneé que ficou registrada em um disco que só iria sair em cd no ano de 2001, sob o nome de “Field Commander Cohen: Tour of 1979”. Após toda essa badalção, Leonard Cohen decide-se por tirar umas “férias” de 5 anos, mas aí já é assunto para uma próxima ocasião…
Um grande abraço a todos e até lá!


____________________________________________________

Parte 2


A Volta das Férias...

Após a conturbada década de ’70, Leonard Cohen optou por se retirar do show business. Entre ’80 e ’84, nada de inédito foi lançado até o álbum “Várious Positions”, que trouxe uma série de pérolas como “Dance Me To The End Of Love”, “If It Be Your Will”, “Heart With No Companion” e “Hallellujah”. Em 1985, LC lança o livro de poesia “Book Of Mercy”, cujos poemas mantém o mesmo teor temático de seu último disco.
“Hallellujah”, apesar de não ser a música mais regravada de Cohen, certamente é a mais executada, mesmo que por interpretes tão diversos, como Bono Vox, KD Lang, Sheryl Crow, John Cale, Rufus Wainwright (no filme do Shrek), Bob Dylan, e principalmente, Jeff Buckley, versão esta que além de aparecer na trilha de The OC, também foi a mais baixada no iTunes, em março de 2008.


Em 1987, a cantora Jennifer Warnes, que nos anos 70 foi vocalista de apoio de LC, apresenta “Famous Blue Raincoat, The Songs of Leonard Cohen”, um importante e abrangente álbum-tributo à obra de Cohen. Dentre os convidados, presenças ilustres como o guitarista Stevie Ray Vaughan, o baterista Vinnie Colaiuta, o maestro Van Dyke Parks e o próprio Cohen cantando "Joan of Arc". O disco foi muito bem recebido, principalmente por um público que já a conhecia de “Time Of My Life”, trilha do filme “Dirty Dancing”.
Um ano mais tarde, o disco “I’m Your Man” é lançado. Além da faixa título, o álbum conta também com “Everybody Knows”, “Tower Of Song”, “I Can’t Forget”, “First We Take Manhattan” e “Take This Waltz”. Esta última, uma brilhante adaptação para o poema “Pequena Valsa Vienense”, de Federico Garcia Lorca. Aliás, poucos discos até então alcançaram a proeza de emplacar 80% de seu repertório nas paradas, como foi o caso deste.



WAITING FOR A MIRACLE TO COME…


Seu único disco de inéditas na década de 90, “The Future”, é lançado em ’92.
Profético, pode ser considerado uma advertência para um futuro que pode ser mudado, já que muito do que figura em suas letras, tem se concretizado nos últimos tempos, como a queda das Torres Gêmeas, a interminável Guerra do Golfo, a crise econômica mundial, a banalização da violência, a eleição do Obama e muitas outras coisas mais…

Em 1994 sai o disco “Cohen Live, In Concert”, com gravações de shows de ’88 a ’93. Neste mesmo ano, por sugestão do roteirista Quentin Tarantino e do músico Trent Reznor, o diretor Oliver Stone usou 3 faixas do disco “The Future” no filme “Assassinos Por Natureza” (Natural Born Killers).
No ano seguinte, LC tira novas “férias” prolongadas, desta vez em mosteiro zen-budista, sendo no ano seguinte ordenado monge. Seu retiro durou até ’99.
Durante os anos de reclusão, muita coisa é lançada, principalmente entre 1995 e ’97. “Dance Me To The End Of Love” torna-se um vídeo-clipe pelas mãos de Quentin Tarantino e Aaron A. Goffman, sendo que sob o mesmo título vem à luz uma coletânea de poemas ilustrada por pinturas de Henry Matisse, ao passo que em 1997 sai a coletânea “More Best Of”, abrangendo os anos de ’84 a ’94.


DEZ NOVAS CANÇÕES…

De 2001 a 2004, de volta à música, Leonard Cohen grava os discos “Ten New Songs” e “Dear Heather”, que muitos fãs consideraram como material de despedida. No entanto, o próprio Cohen assegurou que melhores coisas ainda estavam por vir…
Mas isso só até 2006, quando é lançado o show-documentário “I’m Your Man”, co-produzido por Mel Gibson, e que intercala depoimentos do próprio Leonard Cohen com cenas de um show-tributo feito na Austrália, por artístas do porte de Nick Cave, Ruffus & Martha Wainwright, Jarvis Cocker, U2, Perla Batalla & Julie Christensen, e vários outros convidados especiais. Outros tributos de peso foram os discos “I'm Your Fan” (1991) e “Tower Of Songs” (1995), que igualmente contaram com a presença de muita gente famosa…
No mesmo ano, LC encabeça a produção e a co-autoria das músicas do disco de sua então nova namorada, a cantora havaiana Anjani Thomas. Em 2007, de uma parceria com o também canadense Philip Glass, lança “The Book Longing”, uma “ópera minimalista” composta em cima do livro homônimo de poemas de Cohen.


LEGADO

Apesar de pouco conhecido no Brasil, Leonard Cohen é um dos compositores mais queridos da música pop. Mote de acaloradas discussões em círculos literários e mesas de bar, este é tema constante de teses e monografias mundo afora, “comparável” a Vinícius de Moraes.
Tendo recebido até uma homenagem de Kurt Cobain em “Pennyroyal Tea”, Leonard Cohen também tem sido regravado por artístas como Johnny Cash, Willie Nelson, Neil Diamond, Elton John, Eric Burdon, Bob Dylan, Dion Di Mucci, Joan Baez, John Cale, Frida Lyngstadt, Echo & The Bunnymen, REM, Jeff Buckley, Pixies, U2 etc e brasileiros como Renato Russo e Tony Platão, só para citar alguns.
Uma boa dica aos que o desconhecem, é a coletânea “The Essential Leonard Cohen”, um cd duplo que cobre quase 4 décadas de sua carreira na música.
Especula-se que até março de 2009, um novo disco seu sairá. É esperar para ouvir!

_______________________________

Max Merege é pesquisador musical de Cuiabá. Já foi radialista, trabalha na propaganda, já teve banda de rock e influenciou muita gente. Só não cumprimentou o Leonard Cohen, ainda!
Artigo originalmente publicado em duas partes
dias 23 e
30 de Novembro de 2008
Caderno FOLHA 3
Jornal FOLHA DO ESTADO
Cuiabá - Mato Grosso

Um comentário:

Aritanã Malatesta disse...

Muito bom o Cohen, adoro ele, mas conheço mais pelo uso de suas músicas em filmes, como Wait for the Miracle em Natural Born Killers ou Hallelujah por Jeff Buckley em Lord of War , muito boa a matéria!