segunda-feira, 1 de março de 2010

CHRIS MURRAY: SIMPLES ATÉ A MEDULA



Qual é a primeira coisa que você pensa antes de ir a show de reggae? Talvez você pense em pessoas de orientação ratafari, com dreadloks até os pés, fumando toras de maconha, vestidos com camisetas do Bob Marley, com bolsas e chapéus nas cores da Jamaica e devaneando sobre toda sorte de assunto que fuja à nossa compreensão cartesiana. Bem, então é bom que esqueçamos de tudo isso e lembremos que reggae, além de música e estilo de vida, é um estado de espírito que vai muito mais além do que supõe nossa vã filosofia...

O artista em questão é um branquela canadense, desses magricelas que raramente viram o sol na infância, mas que manda tão bem no reggae, ska e rocksteady quanto qualquer jamaicano nativo. Chama-se Chris Murray e volta e meia ele vem tocar pelo Brasil e por toda América do Sul. Ano passado mesmo ele esteve por aqui e foi super bem falado por público e crítica.
Mesmo morando em Los Angeles, a melhor definição para ele talvez seja a de um cigano sonoro já que a cada dia ele está tocando em algum canto remoto do mundo. E sabe qual é a parte mais impressionante de tudo isso? É que ele não costuma escrever um setlist das músicas que vai tocar, mas sim, segue o que o público pede.
Filho de pais músicos, Chris Murray, desde cedo viu-se envolvido neste admirável mundo artístico. Fosse por sua mãe tocando velhas pérolas caribenhas ao piano, ou por seu pai, um exímio apreciador de jazz. Contudo, a parte que mais lhe tocaria os ouvidos e a alma viria entre os 10 e 15 anos, a partir de alusões britânicas à música jamaicana, por meio de clássicos como "Obladi-Oblada" com os Beatles, "I Shot The Sheriff" com Eric Clapton, "Dyier Maker" com Led Zeppelin, e por fim "One Step Beyond" com Madness, o que serviu de pontapé inicial para entender o que realmente queria tocar e apresentá-lo ao maravilhoso mundo do 2Tone.
Entre o final dos anos 80 e começo dos 90, Chris Murray encabeçou uma banda canadense chamada King Apparatus, que também foi um dos principais nomes do Ska 3rd Wave. Finda a banda, fez fama como um grande produtor. Por volta de 1993, conheceu pessoalmente os lendários Skatalites, em um festival na Inglaterra que também contava com nomes da envergadura de Selecter, Special Beat e The Toasters no pacote. Não demorou e tornou-se o manager da tour da lenda jamaicana pela escaldante Califórnia.


Ah, sim, Chris Murray já acompanhou muita gente de peso nos palcos, como Lloyd Knibb e Lloyd Brevett, dos Skatalites, Prince Buster, The Specials etc. E acaso ele se gaba disso?! Que nada! Tem muito orgulho, sim, e sente-se profundamente honrado por ter trabalhado com caras tão importantes, mas isso não o torna um esnobe ou qualquer tipo de estrelinha. Aliás, o ponto mais forte de tudo é que sua simplicidade, tanto como músico quanto uma pessoa comum, vão totalmente de encontro a este mundo formado por celebridades instantâneas e de glamour artificial que a cada dia tem-se feito mais e mais pungente; e, é claro, opõe-se também a esta ditadura que reza que para se fazer um bom trabalho, o músico precisa manter o "nariz empinado" e desgastar-se em um universo de técnicas inúteis. Tal qual sua obra, o supracitado artísta também é simples, pulsante e direto! Não faz muito, em dezembro do ano passado, enquanto passava uns dias em Curitiba, pude testemunhar isso. Eu já sabia que o tal do Chris Murray ia tocar por lá. Ouvira pouca coisa até então, o suficiente para saber que seria um bom divertimento, ainda mais porque o que eu e meu irmão queríamos mesmo era ver a banda de abertura: Rocksteady City Firm; encabeçada por meu velho amigo, o cantor Rodrigo Rodrigues. A banda estava maravilhosa! Tão boa que eu até me senti no Maranhão! Mas quando entrou Chris Murray, meus caros, aí sim o lugar pegou fogo! Configuração de palco, a mais simples possível: o próprio Chris Murray tocando violão e cantando, mais dois músicos brasileiros: Rodrigo Cerqueira (Firebug e Skuba) na bateria e Edu Sattajah (Leões de Israel e Brasilites) no upright-bass. Em poucas palavras, um legítimo powertrio! Sim, foi o show que faltava eu assistir para fechar 2009 com chave de ouro e certamente refletir mais acerca de se ter uma banda. Será que é preciso tanto equipamento, tanta técnica, tanto glamour e tanta pose para ser um astro?! Chris Murray, do modo mais simples possível, provou que não! Basta apenas saber o que quer tocar e tocar o ferro na boneca!

Por hoje é isso, queridos leitores. Próxima semana tem mais. Um grande abraço a todos.


Discografia básica:

com
King Apparatus: Loud Party (1989), King Apparatus (1991), Hospital Waiting Room (1992), Marbles (1993); em carreira solo: 4-Trackaganza! (2001), Raw (2002), 4-Track Adventures of Venice Shoreline Chris (2003), One Everything (2005), Slackness (2005, parceria com a banda The Slackers)
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Artigo originalmente publicado no Jornal Folha do Estado, Cuiabá-MT, domingo, 28/02/2010.


Videos de CHRIS MURRAY

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