terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

O REI do Samba


No samba "Já Te Digo", dos irmãos Pixinguinha e China, ele era descrito como "alto, magro, feio / e desdentado / que fala do mundo inteiro / e vive avacalhado / no Rio de Janeiro". Quando de seu velório, Manuel Bandeira assim escreveu: “A capelinha branca era muito exígua para conter todos quantos queriam bem ao Sinhô, tudo gente simples, malandros, soldados, marinheiros, donas de rende-vous baratos, meretrizes, chauffeurs, todos os sambistas de fama, os pretinhos dos choros dos botequins das ruas Júlio do Carmo e Benedito Hipólito (a zona do meretrício carioca), mulheres dos morros, baianas de tabuleiro, vendedores de modinhas... As flores estão num botequim em frente, prolongamento da câmara-ardente. Bebe-se desbragadamente. Um vai-vem incessante da capela para o botequim”. Já o historiador José Ramos Tinhorão atribui a ele a verdadeira partenidade daquilo que três décadas mais tarde se convencionaria a chamar de "bossa nova", graças à sua forma malandra de conduzir a harmonia no esquema "um banquinho e um violão".
Nascido José Barbosa da Silva, no Rio de Janeiro, dia 18 de setembro de 1888, Sinhô era filho de um conhecido pintor de paredes e fã das rodas de samba e choro. Desde criança teve um contato muito forte com a música. Aprendeu flauta, violão, piano e malandragem também!
Aos 17 anos casou-se com uma jovem portuguesa de sua vizinhança e até os 21 ele já era pai de três filhos. Para sustentar a família, trabalhava como demonstrador de piano em uma loja de instrumentos musicais - a histórica Casa Beethoven - e tocava por tudo quanto era lugar, desde refinados salões da alta sociedade até casas de rendezvous e moquifos afins, e em inúmeras agremiações dançantes, como a famosa Kananga do Japão (que inclusive virou novela no final dos anos 80).
Aos 26 enviuvou, e até o final de sua vida, casou-se por mais três vêzes. Uma de suas esposas chamava-se Cecília e também trabalhava como demonstradora na Casa Beethoven, tendo sido ela a primeira grande divulgadora de sua obra e responsável pelas primeiras transcrições de Sinhô para a forma de partitura.
Frequentador assíduo das rodas de samba da casa da bahiana Tia Ciata, Sinhô está entre aqueles que reclamavam para si a autoria de "Pelo Telefone", primeiro samba gravado da história e apresentado como se fosse da autoria de Donga e Mauro de Almeida. Em resposta, Sinhô compôs o samba "Quem São Eles". Trocas de farpas por todos os lados, desse período também é a marchinha carnavalesca "Tesourinha": "eu tenho uma tesourinha / que corta ouro e marfim / serve também pra cortar / línguas que falam de mim" .
Sinhô também era acusado de ser plagiador, acusação da qual se defendeu dizendo que "samba é igual a passarinho, é de quem pegar". Por conta disso, foi o primeiro artísta brasileiro a realmente se preocupar com direito autoral, pois tomava o cuidado de registrar todas suas composições em cartório e rubricar todos os seus discos.
Em 1921, lançou o samba "Fala Baixo", uma sacanagem com o então presidente Artur Bernardes. Não deu outra, teve que fugir por uns tempos para escapar da polícia. Aliás, mesmo sendo um talento excepcional, Sinhô tinha sérios problemas com a lei, pois além de ser um dedicado pai de família, também era um boêmio enveterado, pois muito do que ganhava acabava indo para suas noitadas, sendo que por muits vezes fugia de cobradores. Promovia muitas e muitas festas pelos inferninhos do Rio e, ainda por cima, na Noite Luso-Brasileira, no Teatro da República, em 1927, foi honrosamente agraciado com o título de Rei do Samba, que perdura até hoje. Sua vida desregrada, aliás, contribuiu em muito para que sua saúde se deteriorasse rapidamente. Em 1930, às vésperas de completar 42 anos, morre vítima de uma hemoptíase decorrente da tuberculose, no meio do caminho da barca que ligava a Ilha do Governador ao Rio de Janeiro.
Suas composições ajudaram a catapultar a carreira de monstros sagrados da mpb, como Carmem Miranda e Francisco Alves, e também tiveram nas vozes de Aracy Cortes e Mário Reis sua maior expressão. Afinal, "Jura" e "Gosto Que Me Enrosco" são apenas um pequeno exemplo de como sua obra continua incólume, mesmo após oito décadas de sua partida.

Por hoje é isso, caríssimos. Um bom carnaval a todos e até a próxima.

+ + + + + + + + + + + + + + + + + + +
Max Merege, além de roqueiro também vai se acabar na orgia neste carnaval




---------------------------

Artigo originalmente publicado no Jornal Folha do Estado, Cuiabá-MT, domingo, 14/02/2010.




Nenhum comentário: